Vocês lembram como começou o Mensalão?
Puxo matéria de 29/05/2010 aqui do Vespeiro:
“O Banco Espírito Santo (BES) foi acusado pelo deputado Roberto Jefferson de ser o pivô de uma fracassada operação para resolver parte das dívidas de campanha do PT e do PTB. Este ultimo partido era, na época, o “dono” do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB), dirigido por Lídio Duarte, indicado pelo próprio Jefferson.
O plano era transferir para o BES US$ 600 milhões de reservas técnicas do IRB aplicados em outros bancos europeus, contra o pagamento de uma “comissão” de 50 milhões com os quais o PT saldaria dívidas de campanha com o PTB. Segundo Jefferson, a operação tinha sido combinada entre Dirceu e o diretor do BES no Brasil, Ricardo Espírito Santo, em encontros articulados, no Brasil e em Portugal, por Marcos Valério.
Jefferson foi mais longe: disse que até o presidente Lula tinha recebido Ricardo Espírito Santo e Miguel Horta e Costa, na época presidente da Portugal Telecom, em Palácio, levados a ele por Marcos Valério em pessoa.
Foi, naturalmente, desmentido por todos os acusados.
Acontece que o “Mensalão” estava no início e o governo Lula ainda não tinha o know-how que tem hoje. Checadas as agendas nos sites oficiais da Presidência e da Casa Civil, tudo se confirmou. Lula tinha recebido Horta e Costa, Espírito Santo, Valério e Dirceu em duas ocasiões: 21 de janeiro de 2003 e 19 de outubro de 2004.
Instaurou-se o pânico entre os executivos do banco, apavorados com a perspectiva de se verem transformados no elo de ligação que faltava entre Lula em pessoa e o “Mensalão”.
Nos dias que se seguiram, notas oficiais coordenadas foram disparadas pelo Palácio do Planalto, pela Casa Civil e pelo Banco Espírito Santo onde todos admitiam o que era impossível negar, mas alegando que o que tinha sido tratado no encontro foram apenas os investimentos da Portugal Telecom no Brasil.
O banco e a Portugal Telecom continuavam negando, entretanto, os outros encontros mais recentes nos quais, segundo Jefferson, teria sido articulada a operação envolvendo o IRB. Novamente as agendas oficiais, desta vez a da Casa Civil, provaram que ele estava dizendo a verdade, e todos tiveram que reformular suas histórias.
Sim, tinha havido uma reunião na Casa Civil com a presença de Ricardo Espírito Santo, Jose Dirceu, Marcos Valério e Emerson Palmieiri, tesoureiro do PTB, em 11 de janeiro de 2005. Treze dias depois, Valério, Palmieri e Dirceu seguiram para Lisboa onde, segundo Jefferson, iriam fechar o negócio envolvendo o IRB.
Desmentido pelas agendas oficiais, Ricardo Espírito Santo viu-se em maus lençóis. Convidado a depor na Comissão Parlamentar de Inquérito não conseguia esconder sua irritação: “Não precisamos de intermediários … investimos mais de 7 bilhões de euros no Brasil … O encontro com o ministro Dirceu foi uma reunião de apresentação … De onde conheço Valério? Sei lá como conheci Valério! Foi em contatos sociais…”
A notícia, obviamente, teve intensa repercussão em Portugal de onde veio nova e contundente menção ao nome do presidente Lula relacionado às relações perigosas entre Valério, Dirceu, o BES e a Portugal Telecom.
A mesma agenda publicada no site da Casa Civil registrava outra viagem anterior de Dirceu e Valério a Lisboa, a 7 de junho de 2004, em que participaram de um jantar com o presidente da Portugal Telecom, Miguel Horta e Costa. Apertado, Valério emitiu nota confirmando esse encontro e acrescentando que, na mesma viagem tinha visitado o então ministro de Obras e Comunicações do governo Antonio Guterres, do Partido Socialista, Antonio Mexia, que lhe tinha sido apresentado por Horta e Costa.
E, o que é pior, três semanas antes da revelação entrar no foco dos investigadores brasileiros, o ministro Mexia, numa entrevista ao jornal Expresso, de Lisboa, afirmara, desastradamente, que tinha recebido Valério “na qualidade de consultor do presidente do Brasil”.
Seguiu-se nova bateria de desmentidos e novo realinhamento do discurso de todos os envolvidos. Valério, confirmado pelo ministro português, passou a dizer que suas tratativas em Portugal visavam manter em sua agencia a conta publicitária da Telemig cuja compra estaria sendo negociada pela Portugal Telecom. E disse mais: que Palmieri, o tesoureiro do PTB, seria apenas “um amigo pessoal” que só o acompanhou naquela viagem porque “andava estressado” (tinha sido traído pela mulher) e precisava espairecer.
Investigações subseqüentes indicam que os dois movimentos aconteceram ao mesmo tempo. Valério estava mesmo intermediando a negociação entre a Portugal Telecom e a Telemig, exibindo como credencial o seu acesso privilegiado à Casa Civil. Os contatos que fez em Portugal o colocaram na posição ideal para intermediar, mais adiante, a solução imaginada para as dividas de campanha do PT com o PTB através do “esquema IRB”.
Valério, aliás, já tinha prestado serviços anteriores à Portugal Telecom, influenciando, com ajuda de Dirceu, a decisão da Anatel de manter a divisão de tarifas nas ligações entre telefones fixos e celulares. Pelas regras de 1998, de cada real gasto nas ligações entre aparelhos celulares e fixos, os primeiros ficavam com a maior parte. Sendo a Vivo a única das grandes teles a só operar com celulares, ela é quem mais ganha com essa decisão.
No julgamento de José Dirceu, só duas testemunhas de defesa concordaram em depor a seu favor: o presidente do Banco Espírito Santo no Brasil, Ricardo Espírito Santo, e o escritor Fernando Morais.”
Corta e salta 4 anos adiante.
Rolam pelo noticiário aos trambolhões, nas últimas semanas, os acionistas minoritários da Oi, aquela “tele” que o Lula fabricou criando leis especialmente desenhadas para tanto, e que deixou o filho dele rico de repente.
De que se trata?
Em outubro de 2013, em mais uma operação que requereu alterações sob medida da legislação que regula o setor para acomodá-la, a Oi (grupos Andrade Guitierrez e Jereissati, presenteados com ela pelo governo, e mais as onipresentes Previ dos funcionários do Banco do Brasil/PT e BNDES) juntou-se aos restos da Vivo, da Portugal Telecom (da qual o BES é o maior acionista individual com 10,05%), e sob a batuta da maior estrela em ascensão do mercado financeiro brasileiro na Era PT, Andre Esteves, do BTG Pactual, fundiram-se todos numa nova multinacional, a CorpCo que nascia com um faturamento de R$ 37,5 bi. A Portugal Telecom ficou com 38,2% da nova companhia e os sócios brasileiros com 13,1%. O resto é capital aberto.
Passados menos de 6 meses, os sócios minoritários brasileiros são acordados, numa bela manhã de abril passado, com a notícia bomba de que, sem consultar ninguém, a Portugal Telecom tinha “investido” 897 milhões de euros na Rioforte, uma subsidiária do Banco Espírito Santo, o maior de Portugal mas que vem tão mal das pernas nos últimos anos que o Fed, dos Estados Unidos, e outros bancos centrais de todo o mundo estão tomando providências urgentes prevendo a sua falência, temendo que o buraco que ela vai abrir no sistema financeiro internacional possa provocar uma nova crise sistêmica, como a que começou com a quebra do Lehman Brothers.
A chance desses 897 milhões de euros virarem pó são de praticamente 100%, portanto, fato que, quando se configurar, vai reduzir substancialmente o valor da Portugal Telecom que foi a base usada para definer a sua participação na CorpCo. A Portugal Telecom é, por sua vez, dona de 2,9% do capital do BES. A operação toda, portanto, é conflituosa pelas duas pontas e atingirá os dois participantes duas vezes cada um quando o bumerangue voltar.
Por isso os sócios brasileiros da CorpCo afirmam que a Portugal Telecom, descontados os 897 milhões, vale muito menos, e por isso querem que sua participação seja reduzida de 38 para 20%. Estão sendo até camaradas a julgar pelo quanto já despencaram as ações da Portugal Telecom desde que esse caso veio à tona.
A exceção nessa justa gritaria – estranhamente, dir-se-ia se não se conhecesse o que mais se conhece das relações pregressas do PT com a PT – são o representante do BNDES, Luciano Coutinho, que fala também pela fatia da Previ, e o agente Esteves, do BTG Pactual. Eles não admitem ter sido consultados previamente para esse “investimento cruzado” ultra conflituoso de seu “sócio” mas, mesmo assim, põem panos quentes na história: que estão acompanhando tudo de perto, que não há motivo para tanto alarme, que pode-se até mudar a composição acionária da CorpCo mas não se deve desfazer o negócio com essa gente boa, que a situação do BES não é tão grave quanto diz o Fed, e por aí afora.
Àparte o fato de que estes dois não lidam com dinheiro próprio, ha uma longa história de velhas amizades e mirabolantes interesses pautando esses discursos.
O deadline, seja como for, é em 15 de julho próximo quando o BES terá de pagar à Portugal Telecom os 847 milhões de euros.
As tramóias entre a Portugal Telecom e o BES, ao longo das quais aparece o tempo todo o rabo do PT, são velhas de muitos anos e estão descritas em minucia numa série de tres matérias publicadas aqui no Vespeiro em 2010.
Nelas relata-se como, aliado ao primeiro ministro socialista da época, José Sócrates, o BES subornou o advogado representante dos acionistas minoritários da Portugal Telecom que estavam dispostos a aceitar uma oferta hostil feita por outro grupo português pela empresa para traí-los na reunião de acionistas que ia decidir essa venda, plantar um testa-de-ferro dentro do Conselho da PT — Nuno Vasconcelos — e, por meio dele, servir-se do caixa da empresa em “aplicações” em “produtos financeiros” do BES semelhantes a estes da operação acima discutida, por um lado, e para se tornar dono de mais ações da PT com dinheiro extraido dela própria, de outro (além de aumentar a fatia do BES, Nuno em pessoa ficou com mais de 7% da estatal).
Tudo isso só se tornou possível, como sempre, gracas à conivência do governo de Portugal, à época encabeçado pelo socialista José Sócrates, cuja mirabolante obsessão era vingar-se de órgãos de imprensa e jornalistas que lhe tinham dado flagrantes de corrupção, comprando com dinheiro da Portugal Telecom vazado por subsidiárias e outros desvios indiretos, uma série de jornais e TVs de Portugal e África, demitir seus desafetos e montar uma rede internacional de “imprensa amiga” lusófona.
Zeinal Bava, que esteve presente do primeiro ao último dos episódios mencionados aqui e era o encarregado da compra secreta da maior rede de televisão ibérica para o primeiro-ministro Sócrates, denunciada pela imprensa e barrada no último minuto pela Assembleia da Republica portuguesa, está hoje no Brasil e vem a ser o diretor da Oi, cargo que acumula com o de presidente da Portugal Telecom, de cujos “investimentos internacionais” ele é também o encarregado direto.
Os golpistas ainda tentaram levar o plano adiante colocando à frente dele o testa-de-ferro plantado pelo BES na PT mas também esse estratagema foi detido pela CPI instalada na Assembleia da Republica. Nuno Vasconcelos acabou vindo, então, para o Brasil onde, violando as leis nacionais sobre propriedade de mídia por estrangeiros, montou o jornal Brasil Econônico, do qual ninguém menos que a mulher de José Dirceu, Evanise dos Santos, vem a ser a “diretora de marketing”.
A imprensa brasileira, hoje em dia, tem memória curta e, com isso, seus leitores perdem o fio da fascinante meada das tramóias do PT, suas conexões nacionais e internacionais e onde se quer chegar com tudo isso, que é sempre mais emocionante que as conspirações comparativamente infantis das novelas da Globo.
O Vespeiro está aqui para refrescar essa memoria.
Entenda como começou e com que objetivo continua rolando a tramóia entre a tele de Lula e o banco que estabeleceu a única ligação direta até hoje comprovada entre ele e o Mensalão colcando-o na mesma sala com Marcos Valério em duas reuniões de propósitos indiscutivelmente escusos, saltando para estas tres materias:
O jogo mundial do poder
Um meteoro no céu da mídia
Obsessão fatal
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