08/04/2014 08h33
Trinta e quatro municípios pernambucanos são cortados pela ferrovia.
G1 encontrou canteiros abandonados e muitas dúvidas dos moradores.
Em São José do Belmonte, os trilhos cobertos por pedras servem de estrada para moradores.
Quando as obras da ferrovia Transnordestina começaram, em 2006, a
previsão era que fossem concluídas em 2010. Porém, uma série de entraves
com desapropriações e alterações de projeto, além de questões
ambientais, fizeram o prazo ser estendido para setembro de 2016, segundo
o Ministério dos Transportes – totalizando dez anos de obra, em vez dos
quatro iniciais. Os adiamentos e a falta de informação fazem a
população e empresários do Sertão de Pernambuco, por onde os trilhos vão
passar, não saberem o que esperar do futuro.
A obra estava orçada inicialmente em R$ 4,5 bilhões, mas o último
reajuste fez o orçamento chegar a R$ 7,5 bilhões. O cenário geral é de
abandono, com as pessoas podendo chegar junto aos trilhos e canteiros de
obras, todos paralisados.
Inicialmente, a ferrovia seria construída pelo governo federal, mas,
por falta de verba e outros entraves, o projeto foi entregue para a
Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), que criou a empresa
Transnordestina Logística S.A. (TLSA) para ser concessionária da obra. O
governo federal então firmou compromisso de garantir financiamentos de
bancos e órgãos públicos. Já os estados envolvidos ficaram responsáveis
pelas desapropriações.
De acordo com o governo federal, o projeto prevê 2.304 quilômetros de
ferrovia, beneficiando 81 municípios – 19 no Piauí, 28 no Ceará e 34 em
Pernambuco.
Em janeiro, o G1 mostrou que as obras da ferrovia
Transnordestina no sertão do Piauí, que já consumiram R$ 1,075 bilhão,
estão paralisadas e abandonadas desde setembro de 2013. No Ceará, só 4%
das obras no trecho entre a cidade de Missão Velha e o Porto do Pecém,
na Grande Fortaleza, estão concluídas, segundo o Ministério dos
Transportes.
Nesta terceira reportagem da série, a reportagem do G1 percorreu, em Pernambuco, mais de 1.500 quilômetros, do Recife até Araripina, de onde a ferrovia segue para o Piauí. No caminho, encontrou obras paradas e a população em compasso de espera.
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Obras
O movimento de caminhões em uma fábrica de dormentes em Salgueiro foi o único sinal encontrado de obras em andamento no trecho da Transnordestina em Pernambuco. No resto do trajeto, em 12 municípios, o G1 encontrou canteiros de obras e trechos prontos – mas nenhuma máquina ou operário.
Os sinais são de uma obra parada e sem uso: no trecho de 96 quilômetros
que segue de Salgueiro para o Ceará – o único pronto no estado até
agora, inaugurado em agosto de 2013 – há muitos vagões parados e sem
segurança. Perto dali, um grupo de homens levava um pedaço de trilho –
segundo a TLSA, uma “sobra” de trilho.
Em Araripina, a ponte já construída não tem trilhos e vem servindo para
a população como um acesso mais rápido para propriedades rurais do
distrito de Nascente, localizado a mais de 35 quilômetros do centro do
município. “Eles tomaram os caminhos, cortaram a estrada. Não sei como
vai ficar depois. O outro acesso é muito mais distante”, explica
Ivanildo Rocha, que foi um dos operários dispensados em setembro.
Em São José do Belmonte e em Salgueiro, os trilhos viraram estrada para a população, que segue a pé ou a cavalo.
Trilhos vão passar a poucos metros da casa de Rosélia
Vieira.
Vieira.
Dos três trechos ainda em obras, o mais avançado são os 163 quilômetros entre Salgueiro e Trindade.
Nessa parte, estão prontos, segundo o Ministério dos Transportes, 99%
da infraestrutura (obras de aterramento e nivelamento, antes de
colocação da ferrovia propriamente dita), 98% da obra de arte especial
(pontes, viadutos e túneis, entre outros) e 70% da superestrutura
(dormentes e trilhos).
Os trilhos podem ser vistos em Terra Nova e Parnamirim mas, a partir de Ouricuri, há apenas indicação de que ali, um dia, houve um canteiro de obras: sobram placas caídas no chão e muita poeira.
Entre Salgueiro e Suape, são previstos 306 quilômetros em obras,
estando prontas atualmente 55% da infraestrutura, 53% das obras de arte
especial e 35% da superestrutura. Já entre Trindade e Eliseu Martins, no
Piauí, são 259 quilômetros de obras, estando prontas 42% da
infraestrutura e 35% da obra de arte especial.
Questionada pelo G1 sobre o andamento das obras, a
TLSA informou que " a construção da ferrovia Transnordestina está em
curso e terá seu ritmo intensificado nas próximas semanas. Estão sendo
mobilizadas novas equipes, equipamentos e materiais para as novas
frentes de trabalho que estão sendo instaladas".
Inconclusa, a Transnordestina frustra o sonho de Pernambuco ter o
terceiro maior porto do país, atrás apenas dos terminais de Santos, em
São Paulo, e do Rio de Janeiro.
Mecânico Heleno Belarmino não entende porque as obras
foram paralisadas.
foram paralisadas.
"Suape receberia grandes navios, que fariam o transbordo para navios
pequenos e outros modais, e a ferrovia é um dos fatores determinantes.
Não existe no mundo um grande porto sem uma grande ferrovia", aponta o
secretário de Desenvolvimento Econômico, Márcio Stefanni.
O secretário informou que, ano passado, Suape bateu o recorde de
movimentação de cargas, com 12,8 milhões de toneladas. A expectativa é
que a ferrovia aumente essa circulação. "Junto com a Refinaria [Abreu e
Lima, obra da Petrobras], essa quantidade subiria, inicialmente, para 30
milhões de toneladas", afirmou.
Incertezas
Morando no distrito do Sítio Abóbora, em Trindade, a agente de saúde comunitária Rosélia Vieira viu o sossego da pequena propriedade rural terminar. O terreno é cortado pela obra de ferrovia, que passa a 4,5 quilômetros da BR-316, mas atualmente nenhuma máquina trabalha no local.
Sítio Pitombeira, em Custódia, fica a poucos metros dos trilhos da Transnordestina.
A poeira fez com que os irmãos de Rosélia deixassem de fazer placas de
gesso, indo trabalhar para outras pessoas. Porém, a preocupação maior é
com o dia em que as obras forem retomadas. “Eles disseram que minha casa
não precisava ser desapropriada, mas ela está toda rachada desde que as
obras começaram. Não posso nem mais criar meus animais, porque eles
tiraram minha cerca", lamenta a agente de saúde, que não sabe como vai
ficar o acesso à própria casa quando a obra for concluída.
Morando com a esposa e dois filhos em um pequeno sítio em Ouricuri, o
agricultor e carpinteiro Arlei Marques Torres viu a entrada da
propriedade virar uma ladeira íngreme quando as obras da Transnordestina
passaram pelos fundos do terreno. "Quando os rolos para acertar o
terreno passavam, tremia tudo aqui em casa. Caíam os copos e pratos do
armário. Imagina quando for o trem?", questiona o agricultor.
Edmilson precisou reorganizar a rotina do restaurante.
A casa do mecânico Heleno Belarmino da Silva, no Sítio Pitombeira,
distrito de Custódia, fica a 40 metros dos trilhos da ferrovia. Durante
dois anos e sete meses, ele foi funcionário da obra. Com o dinheiro,
construiu uma pequena borracharia no terreno onde mora – que é como se
sustenta atualmente. "É um absurdo uma obra dessas parar. A gente sabe
que deve trazer benefícios para todos, só não se sabe direito como vai
ser", admite.
Entre março de 2009 e dezembro do ano passado, 1.952 desapropriações
referentes à Transnordestina foram realizadas em Pernambuco, de acordo
com a Secretaria de Desenvolvimento Econômico. O total gasto com as
indenizações soma R$ 28,9 milhões.
A pasta informou que 258 desapropriações ainda serão feitas, divididas
entre os municípios de Belém de Maria, na Mata Sul; Cachoeirinha e
Pesqueira, no Agreste; Arcoverde, Custódia, Serra Talhada,
Salgueiro, Parnamirim e Trindade, no Sertão. Esse número não leva em
consideração os trechos chamados SPS-08 e SPS-09, entre Belém de Maria e
Suape, que ainda estão tendo os traçados aprovados pelo projeto.
No distrito de Varzinha, em Serra Talhada, ferrovia passará próxima às casas.
PerspectivaCom as obras da Transnordestina concluídas no município, Salgueiro viu uma diminuição drástica do número de pessoas circulando pela cidade. Restaurantes, hotéis e pousadas que investiram para atender a demanda de quase 15 mil novos moradores durante a construção da ferrovia estão tendo que se adaptar à nova realidade – embora a expectativa de um aeroporto na cidade e de outras obras ajude a criar esperanças.
O empresário Edmilson Torres Sá investiu em um restaurante em 2010. Durante o auge das obras, chegou a vender 1.500 refeições por dia e a ter 15 funcionários no estabelecimento, às margens da BR-232. Atualmente, são aproximadamente 500 refeições diárias e o número de empregados foi reduzido para seis, a maioria de pessoas da família. "A gente fica preocupado com o futuro, o fluxo da cidade caiu muito. Era muito carro aqui em Salgueiro, um trânsito que você não acreditava", lembra.
Trilho é arrastado por grupo de homens próximo à divisa com o Ceará
O verdureiro Claudir Codeiro trabalha há anos junto do Mercado Municipal de Salgueiro. Com o final das obras da ferrovia, estima que as vendas diminuíram em, pelo menos, 40% mensalmente. "Depois que terminou, está muito difícil para nós. Juntando a seca com o final das obras, estou tendo que buscar verdura em Juazeiro, na Bahia, para valer a pena vender. O salgueirense apostou, mas sem as empresas? Não tem como ter retorno. O jeito é gastar menos, reduzir as contas", explica.
Outras pessoas são mais otimistas. Dono de uma oficina e outros estabelecimentos, Francisco de Sá Parente transformou os pequenos quartos que tinha em um hotel. "É uma pequena tragédia para o melhor. Tinha 'inchado' demais e agora estamos voltando para a realidade. Estamos a cerca de 600 quilômetros de todas as capitais do Nordeste, somos um centro logístico com potencialidade", acredita o empresário.
Ponte em Araripina tem placas que indicam que ali foi um canteiro de obras
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