Brasil vive hoje um problema clássico identificado no capítulo 1 de qualquer manual de macroeconomia
O Brasil padece as consequências de um erro de diagnóstico. Em discurso no Senado, pronunciado em 3 de setembro de 1891, Rui Barbosa, com sua verve inconfundível, exclamava: “Eu quisera, nos meus antagonistas, senão justiça para comigo, ao menos lógica na ligação entre as suas premissas e as suas conclusões.” O velho Rui, se vivo fosse hoje e se encontrasse entre os críticos do governo, teria dificuldades em identificar tal “ligação entre as premissas e as conclusões” analisando a retórica que marca a defesa da política oficial.
José Dirceu, em seu esforço de fazer o contraponto ideológico com as teses da oposição e em tentativa de contestar os argumentos de um — na época — muito comentado texto de Fernando Henrique Cardoso, escreveu em julho de 2013, em artigo publicado na revista “Interesse nacional”, que “ao apostar na formação de um mercado interno robusto, o governo Lula mirou a colheita de frutos para todos, consubstanciados no chamado ciclo virtuoso de crescimento” (página 11).
Ele dava eco assim às teses que, em plena fase
de “tocar bumbo”, o Partido dos Trabalhadores tinha começado a propagar
desde o começo do ano passado, teses essas que foram consagradas no
documento partidário produzido pelo Instituto Lula denominado “O decênio
que mudou o Brasil”, de fevereiro de 2013, com texto digno dos
documentos da época do “realismo socialista” da União Soviética e
desenho na capa onde Luiz Inácio Lula da Silva aparece com ares de líder
visionário, ao lado da presidente Dilma Rousseff e sob uma bandeira
brasileira.
Na típica linguagem épica daqueles documentos, cujo clímax
retórico foi a seção com título “O decênio glorioso”, o PT destacava que
o “jeito petista de governar” tinha permitido ao país “enfrentar a
crise global buscando fortalecer o seu modelo interno” (pág. 24)
seguindo “um caminho próprio, distinto do observado atualmente em outras
economias, que permite ao país sair da crise global muito mais
pujante”.
Na origem dos problemas que o Brasil vive hoje, mais do que o divórcio entre a retórica e a realidade, mais do que a contradição entre as premissas e as conclusões de que falava Rui Barbosa, encontra-se um erro de diagnóstico. O que o Brasil vive hoje é um problema clássico identificado no capítulo 1 de qualquer manual de macroeconomia.
Na origem dos problemas que o Brasil vive hoje, mais do que o divórcio entre a retórica e a realidade, mais do que a contradição entre as premissas e as conclusões de que falava Rui Barbosa, encontra-se um erro de diagnóstico. O que o Brasil vive hoje é um problema clássico identificado no capítulo 1 de qualquer manual de macroeconomia.
Para que o leitor entenda melhor isso, vamos expor
alguns números. Em 2007, o Brasil tinha a) superávit primário de 3,3%
do PIB; b) superávit nas suas transações correntes com o exterior; c) um
custo da sua mão de obra que tornava a economia brasileira competitiva;
d) inflação rigorosamente na meta (4,5 %); e e) poupança doméstica de
18% do PIB e consumo de 80% do PIB.
A economia ainda não se ressentia
muito do desmonte sistemático das bases para o crescimento duramente
construídas no período FH e reforçadas nos primeiros anos do governo
Lula, quando a economia estava sob a direção do ministro Palocci. Sete
anos depois, em 2014, após a vigência intensa da política de “pau na
máquina”, com doses reforçadas de injeções de demanda e estímulos ao
consumo, qual é o quadro?
Vejamos o contraste: a) superávit primário de
1,5 % do PIB, com viés de baixa; b) déficit externo da ordem de US$ 80
bilhões; c) custo unitário da mão de obra na indústria 17% superior ao
de 2007; d) inflação no teto de 6,5%; e e) poupança doméstica de 14% do
PIB e consumo de 85% do PIB. O Brasil financiou uma festa — com poupança
externa. Espantosamente, naquele mesmo documento antes citado, o PT
afirmava que “o salário médio real dos trabalhadores cresceu acima dos
ganhos de produtividade.
Entre 2003 e 2010, por exemplo, o aumento
acumulado da produtividade foi de 13,2% ante a expansão de 20,8% do
salário médio real. Para cada aumento de 1% na produtividade, o salário
médio real aumentava 1,6%” (página 13). A razão do espanto não é que os
números sejam falsos, mas o contrário: que se utilize como exemplo um
argumento que, se é compreensível do ponto de vista político, é
lapidário em termos econômicos.
De fato, se quisermos entender por que o Brasil está flertando com uma crise, basta reler o parágrafo anterior: crescimento dos salários acima da produtividade é garantia de inflação e problemas de balanço de pagamentos. Exatamente o que estamos vendo.
De fato, se quisermos entender por que o Brasil está flertando com uma crise, basta reler o parágrafo anterior: crescimento dos salários acima da produtividade é garantia de inflação e problemas de balanço de pagamentos. Exatamente o que estamos vendo.
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