segunda-feira, 14 de julho de 2014

Estadios vão virar "elefantes brancos"?





Copas anteriores dão pistas sobre possível legado do evento no Brasil

Japão, Coreia do Sul, Alemanha e África do Sul ainda têm efeitos da Copa.


Veja como os eventos afetaram estádios, transporte, cultura e economia.



Do G1, em São Paulo


Estádio de Yokohama na final da Copa de 2002: arenas construídas no Japão geram prejuízo até hoje (Foto: Toru Yamanaka/AFP)Estádio de Yokohama na final da Copa de 2002: arenas construídas no Japão dão prejuízo até hoje



Com o fim da Copa do Mundo de 2014, finalmente os brasileiros podem se debruçar sobre as heranças e consequências do mega-evento. Qual será o legado do Mundial no Brasil? As experiências de países que sediaram o campeonato em edições anteriores dão pistas do que um país pode ganhar ou perder ao receber o torneio. Veja o que aconteceu em quatro países que sediaram as últimas três Copas da Fifa antes do Brasil:

1) Os estádios viram 'elefantes brancos'?
Assim como no caso dos estádios de Cuiabá, Manaus e Brasília, os países que sediaram as três últimas Copas também construíram ou reformaram arenas em cidades sem times de primeiro escalão. Em 2002, a Copa foi jogada em um recorde de 20 estádios, dez no Japão e dez na Coreia do Sul – a maioria construídos do zero.

 
Segundo Noboru Nakashima, correspondente-chefe no Brasil da rede de televisão japonesa NHK, os estádios foram a parte mais negativa da Copa e continuam dando prejuízo ao Japão. "Até hoje o governo local gasta dinheiro para manter os estádios, contratar pessoas para cuidar da estrutura e do gramado", explicou. Como os times locais não têm dinheiro para manter um estádio próprio, os que foram construídos para o Mundial até hoje são administrados pelo poder público. O uso deles é esporádico, e a maioria das partidas leva apenas alguns milhares de torcedores, afirma Nakashima.

Na África do Sul, o esporte principal é o rúgbi e, por isso, o país já era bem servido de estádios voltados para este esporte antes de começarem a construir as arenas para a Copa do Mundo. A África do Sul construiu ou reformou dez estádios para receber o Mundial de 2010. Um dos mais bonitos, e também mais caros (US$ 600 milhões, segundo o governo municipal, ou mais de R$ 1,2 bilhão), é o da Cidade do Cabo. 



Erguido em uma área nobre, em Green Point, um parque foi instalado ao redor da arena, que tem capacidade para abrigar mais de 64 mil pessoas, mas não é usada constantemente para partidas de futebol.


O local virou um dos cartões-postais da cidade sul-africana, já que oferece visitações de terça a sábado, três vezes ao dia, e abriga grandes shows internacionais. Poucas partidas de futebol aconteceram no local depois que a Copa do Mundo terminou. O estádio representa, na opinião de muitos sul-africanos, o símbolo do prejuízo da Copa do Mundo ao país.

Outras arenas esportivas, como a de Durban e a de Nelspruit, quase não são utilizadas e viraram elefantes-brancos.



O Bayern de Munique, clube alemão, em foto de 2007 no Allianz Arena: estádio construído para Copa de 2006 é o mais utilizado (Foto: Oliver Lang/DDP/AFP)Time alemão Bayern de Munique, em foto de
2007 no Allianz Arena: estádio construído para Copa de 2006 é o mais utilizado, diz estudo




Já a Alemanha só construiu um estádio e reformou outros onze antes da Copa de 2006. No total, foram gastos US$ 1,8 bilhão (cerca de R$ 4 bilhões). Mas o país tem um caso de sucesso que poderia inspirar Cuiabá, Brasília e Manaus: o de Leipzig.


Única cidade da antiga Alemanha Oriental a sediar jogos da Copa, Leipzig ganhou um estádio totalmente remodelado que, depois do mundial de futebol, passou três anos totalmente vazio. Porém, uma empresa multinacional decidiu investir na criação de um time de futebol local, o RB Leipzig, que hoje já está na segunda divisão da Bundesliga (a liga alemã) e chega a atrair até 30 mil torcedores por partida.

Os alemães também encontraram uma forma de manter os preços dos ingressos baixos nas arenas reformadas e caras: uma área VIP dentro do estádio é financiada por torcedores corporativos a preços salgados e, assim, é possível vender os ingressos para as arquibancadas por valores mais baixos, garantindo o acesso de mais torcedores.



A Allianz Arena, em Munique, o único estádio construído do zero, possuía, em 2012, o melhor índice de ocupação de assentos em um estudo feito com 75 estádios de 20 países, segundo artigo publicado pelo Observatório das Metrópoles, dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT).


2) Que projetos de mobilidade ficaram prontos antes do evento?
A Alemanha também precisou investir pouco em grandes obras de infraestrutura de mobilidade para sediar o Mundial, já que sua malha ferroviária e aérea já era abrangente. Mas o país conseguiu apresentar melhorias das quais a população desfruta até hoje, oito anos depois. Uma delas foi o trem de alta velocidade que liga Berlim e Leipzig.



A cidade de Leipzig ganhou um trem de alta velocidade três semanas antes do início da Copa de 2006 na Alemanha (Foto: Jan Woitas/DPA Picture-Alliance/AFP)A cidade alemã de Leipzig ganhou um trem de alta velocidade 3 semanas antes do início da Copa na Alemanha.



Segundo reportagem da BBC Brasil de maio de 2014, o trecho foi inaugurado três semanas antes da Copa de 2006. Mas, hoje, ele tornou possível que pessoas morem em uma cidade e trabalhem em outra.

No Japão, a situação do transporte público era semelhante à da Alemanha e, por isso, os governos do país e das cidades-sede não precisaram gastar muito dinheiro para construir grandes obras de mobilidade urbana.

Na África do Sul, Joanesburgo e Cidade do Cabo ganharam corredores expressos de ônibus (BRT), que ligam vários locais importantes da cidade, como as sedes do governo e aeroportos. A capital econômica da África do Sul (Joanesburgo) também recebeu um trem de alta velocidade, mas que favoreceu os moradores mais ricos da cidade.



Na Cidade do Cabo, grande parte da população que mora em favelas distantes da região central não é atendida pelo BRT e precisa pegar vans superlotadas para chegar em casa. A estação ferroviária da cidade foi reformada, mas os trens continuaram sucateados, com portas quebradas e pichações.


Os aeroportos sul-africanos, como o da Cidade do Cabo e de Joanesburgo, foram reformados para receber grande quantidade de turistas. A empresa responsável pelas obras é a mesma que realizou a ampliação do aeroporto de Guarulhos, a Airports Company South Africa (ACSA), em parceria com a Invepar.

3) A economia se beneficiou com a Copa?
Segundo a Forbes, o grande boom no turismo antecipado pelo país africano em 2010 não se concretizou: a África do Sul recebeu 309 mil torcedores estrangeiros, abaixo dos 450 mil esperados. Desde 2010, o custo e o benefício do mundial ainda é debatido.



Segurança, uma das grandes preocupações da Copa na África, foi reforçada apenas durante o evento (Foto: Gianluigi Guercia/AFP)Segurança, uma das grandes preocupações da
Copa na África, foi reforçada só durante o evento,dizem moradores 


De acordo com dados da firma de auditoria Grant Thornton, a África do Sul gastou um total de US$ 7,3 bilhões (mais de R$ 16 bilhões) para organizar o evento, o equivalente a 6% do orçamento anual do governo. Após o fim da Copa, estimava-se que a economia do país em 2010 teria um aumento de 0,4% – menos em decorrência do evento em si, e mais por causa das melhorias na infra-estrutura das cidades-sede.


Na Alemanha, o mundial teve tanto sucesso que a atração de visitantes continuou mesmo anos depois. Segundo a rede de televisão americana CNN, em 2010, quatro anos depois da Copa no país, cidades como Colônia ainda tinham índices de turistas até 10% mais altos do que antes do evento esportivo.


Mas a consultoria DIW, citada pela CNN na reportagem, calculou que, financeiramente, o efeito da Copa do Mundo na Alemanha foi mínimo na época do torneio. A estimativa é de que os turistas tenham gasto US$ 650 milhões (mais de R$ 1,3 bilhão) no país no mês em que aconteceram as partidas, um valor considerado pequeno para a economia alemã. A renda adicional com a venda de comida, bebida e produtos alusivos à Copa somou outros R$ 5 bilhões.


No Japão, apesar de os enormes gastos com estádios que continuam pesando nos cofres públicos, a Copa do Mundo teve efeitos benéficos que também duram até hoje, de acordo com o correspondente da NHK no Brasil. Nakashima afirma que os preços das passagens aéreas até o Japão ficaram mais acessíveis e o país começou a se abrir mais para outras culturas.


4) Os países tiveram alguma mudança cultural?
Ao receber um enorme número de turistas para a Copa de 2002, os japoneses tiveram um acesso inédito a diferentes culturas internacionais, explica Nakashima. "As pessoas locais conheceram muita gente nova, de países africanos, de países sul-americanos. Foi muito bom para as pessoas locais conhecerem pessoas internacionais", disse ele.

Além de fazer com que o Japão se abrisse mais culturalmente e se adaptasse ao mundo global, o jornalista japonês diz ainda que o país fortaleceu sua cultura do futebol. "Foi muito bom para o Japão mostrar que podemos promover a cultura do futebol, que as pessoas saibam que podemos sediar a Copa do Mundo, conhecer times internacionais."



O Japão se classificou para todas as Copas desde 2002 e chegou a se candidatar para sediar sozinho a Copa de 2022, mas não foi escolhido.
Coreia do Sul: desde 2002, um país cada vez mais apaixonado por futebol (Foto: Emmanuel Dunand/AFP)Coreia do Sul: desde 2002, um país cada vez mais fã de futebol 

O mesmo aconteceu na Coreia do Sul, co-anfitriã da Copa de 2002 com o Japão, e que agora pretende sediar um novo mundial como protagonista. O êxito da seleção coreana, que conseguiu ficar em quarto lugar no torneio, mobilizou a população do páis, que agora torce avidamente pela equipe em qualquer competição. Assim como o Japão, a Coreia do Sul esteve presente nas três Copas desde a de 2002.


Na Alemanha, a Copa de 2006 também teve um efeito cultural, mas de outra ordem. O evento foi o primeiro que conseguiu reunir alemães de todas as partes do país em torno do sentimento de patriotismo e de torcida pela Alemanha unificada.


O sentimento de união foi fortalecido pelas Fan Fests, promovidas em algumas cidades para que a população acompanhasse as partidas por um telão. Foi a partir deste ano que a Fifa decidiu expandir as Fan Fests para todas as cidades-sede do país anfitrião, diz a CNN.


Já a África do Sul viu poucos ganhos efetivos na questão futebolística: depois de se tornar a primeira anfitriã a ser eliminada da Copa ainda na fase de grupos, o país não conseguiu se classificar para a Copa de 2014. Moradores locais também reclamaram do fato de o policiamento ostensivo visto nas cidades-sede durante a Copa ter desaparecido logo após o fim do evento – a segurança, assim como no Brasil, foi uma das principais preocupações dos visitantes em 2010.


Em uma reportagem que analisou o mundial pouco depois do seu fim, a revista britânica "The Economist" afirmou que o maior ganho para o país foi percebido na auto-estima da população: tanto entre os brancos quanto entre os negros, o sentimento foi de orgulho pelo evento organizado.


Embora localizado, um dos legados que ainda perdura na África do Sul é a escola de futebol da Fundação Johan Cruyff, inaugurada durante a Copa de 2010 e que hoje ainda é frequentada por jovens do bairro de Hillbrow, em Joanesburgo. Dois anos depois, o local foi visitado pelo jornal "The Voice of America". 

À publicação, o treinador John Sibeko afirmou que o local tem sido bem utilizado pelos jovens e que é possível notar uma melhora na concentração e na disciplina dos garotos.


Escola de futebol da Fundação Johan Cruyff em bairro pobre de Joanesburgo é um dos projetos sociais de sucesso na África do Sul (Foto: Thomas Coex/AFP)Escola de futebol da Fundação Johan Cruyff em bairro pobre de Joanesburgo é um dos projetos sociais de sucesso na África do Sul


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