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Por Carlos I. S.
Azambuja
O comunismo foi, inegavelmente, um dos fenômenos mais importante do Século XX. Antecedeu o fascismo e o nazismo, sobreviveu a ambos e atingiu todos os continentes.
Seus crimes, em todo o mundo, não foram ainda submetidos a uma avaliação legítima, tanto do ponto de vista histórico como do ponto de vista moral. E, talvez, nunca sejam. Alguns poderão refutar, alegando que a maioria dos crimes respondia a uma “legalidade”, ela própria sustentada por instituições pertencentes aos regimes vigentes. Mas não ocorreu o mesmo com o nazismo, que foi julgado em Nurenberg?
Os testemunhos abundantes, confirmados pela abertura dos arquivos do partido e da KGB após o fim da União Soviética, demonstram que o terror foi uma das dimensões fundamentais do comunismo. Em seu nome foram cometidos inúmeros crimes contra o espírito, contra a cultura universal, contra as culturas nacionais e sobretudo contra a vida.
Stalin ordenou a demolição de centenas de igrejas na Rússia; Nicolau Ceaucescu destruiu o coração histórico de Bucareste para construir edifícios e traçar perspectivas megalomaníacas; Pol Pot desmontou, pedra por pedra, a Catedral de Phnom Penh, abandonou à selva os templos de Angkor e, durante a chamada revolução cultural maoísta, tesouros inestimáveis foram destruídos pelos Guardas Vermelhos.
Em um primeiro balanço foram estabelecidos os seguintes números: URSS, 20 milhões de mortos; China, 65 milhões; Vietnã, 1 milhão; Coréia do Norte, 2 milhões; Camboja, 2 milhões; Leste-Europeu, 1 milhão; América Latina, 250 mil; África, 1,7 milhão; Afeganistão, 1,5 milhão. O total aproxima-se dos 100 milhões de mortos, contra 25 milhões de mortos pelo nazismo. Ou seja, os regimes comunistas foram os mais criminosos do Século.
Stalin ordenou ou autorizou inúmeros crimes, sendo o mais espetacular a execução da quase totalidade dos oficiais poloneses aprisionados em 1939, durante a II Guerra Mundial, dos quais os 4.500 oficiais mortos na Floresta de Katyn foi apenas um episódio. Entretanto, outros crimes passaram despercebidos pela opinião pública mundial, como o assassinato, nosGulags, de centenas de milhares de cidadãos russos, bem como de alemães aprisionados entre 1943 e 1945.
Essa foi uma decisão dos bolcheviques, tão logo tomaram o Poder, em outubro de 1917: a eliminação legal de toda e qualquer oposição e resistência ao novo regime.
Logo após a Revolução Bolchevique, centenas de milhares de pessoas engajaram-se, em todo mundo, nas fileiras da Internacional Comunista, definida por Stalin como “o estado-maior político e ideológico do movimento revolucionário do proletariado, destinado a preservar o marxismo revolucionário das deformações oportunistas de direita e de esquerda”. Nos anos 50/70, outras centenas de milhares de homens e mulheres veneraram o kamarada Mao, o Grande Timoneiro da revolução chinesa, e cantaram em prosa e verso os grandes méritos do Grande Salto Adiante e da Revolução Cultural que mandou milhões de chineses para os cemitérios.
No mundo ocidental, muitas pessoas (já naquela época...) alegaram que não sabiam. Todavia, com freqüência, essa ignorância era, tão somente, resultado de uma cegueira provocada pela crença militante. Desde os anos 40, muitos fatos eram conhecidos e incontestáveis. Ora, se um grande número dessas pessoas abandonou hoje seus ídolos de ontem, a grande maioria foi com silêncio e discrição. Mas não deixa de ser um profundo amoralismo abandonar um engajamento político público no maior dos segredos, sem dele tirar nenhum a lição.
A ideologia comunista propõe a imagem de uma sociedade melhor e nos incita a desejá-la e lutar por ela. Além do mais, ela priva os indivíduos de suas responsabilidades, pois são sempre eles, os Secretários-Gerais quem decidem por nós.
A atração desse sistema totalitário, experimentada inconscientemente por muitos, provém de um certo medo da liberdade e da responsabilidade, o que pode explicar a relativa popularidade dos regimes autoritários em todos os tempos.
Recorde-se que o sistema político arcaico dos Czares que a Revolução Bolchevique varreu do mapa, no período de 1825 a 1917 condenou à morte por suas opiniões políticas, 3.932 pessoas, número ultrapassado pelos bolcheviques já em março de 1919, com menos de dois anos de exercício do Poder total.
Diante disso, pergunta-se: por que os crimes comunistas têm uma tão pequena repercussão na opinião pública? E, sobretudo, por que um silêncio acadêmico sobre a catástrofe comunista – e até mesmo sua negação – que atingiu, por cerca de 80 anos, um terço da humanidade, nos quatro continentes? Por que a incapacidade dos políticos e historiadores de situar no centro da análise da doutrina comunista um fator tão essencial quanto o crime, o crime em massa, o crime sistemático, o crime contra a humanidade ou, simplesmente, os crimes comunistas? Não seria essa uma recusa deliberada de saber, de um medo de compreender?
Cupidez, apatia, vaidade, fascinação pela força e pela violência, paixão revolucionária? Qualquer que seja a motivação, os líderes das ditaduras comunistas sempre encontram os bajuladores de que tanto necessitam. E continuam a encontrar. Fidel Castro, por exemplo, não é aplaudido quando diz que está “construindo o socialismo” e quando vocifera, ao final de seus discursos “socialismo ou morte”? Também como quando é fotografado em eventos internacionais ao lado de outros governantes?
O kamarada Hugo Chávez não era aplaudido quando se referia à tal revolução bolivariana e a um socialismo à la Simón Bolívar?
Finalmente, cabe lamentar que à ignorância – desejada ou não – da dimensão criminosa do comunismo tenha se juntado, quase sempre, a indiferença da maioria de nossos contemporâneos para com seus irmãos humanos.
Carlos I. S. Azambuja é Historiador.
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