Por João Vinhosa
Antes de tudo, cumpre informar que cópia deste artigo
será formalmente encaminhada ao Procurador Geral da República Rodrigo Janot e
ao presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Marcus Vinicius Coelho.
Tal encaminhamento se faz necessário em decorrência do fato de o artigo conter
graves críticas ao desempenho de determinados integrantes das entidades
comandadas por citadas autoridades.
O desempenho criticado aconteceu pela atuação de tais
integrantes na apuração da denúncia segundo a qual o Brasil estava,
deliberadamente, descumprindo o chamado Acordo Brasil-EUA para combater
cartéis. Conforme a denúncia, o Brasil estava descumprindo o compromisso de
notificar os Estados Unidos da América sobre investigações aqui realizadas
contra o Cartel do Oxigênio.
O mesmo assunto, “compromisso de notificar”, volta à
berlinda agora, ao se discutir a necessidade de o Brasil notificar os EUA sobre
as investigações que estão sendo realizadas contra o Cartel do Metrô de São
Paulo.
O fato é que o Acordo é categórico: uma parte se obriga a
notificar a outra sobre investigações que estiver realizando contra cartéis
cujos integrantes atuem nos dois países, como é o caso dos integrantes do
Cartel do Metrô de São Paulo.
Em seu Artigo II, o Acordo estipula que as atividades a
serem notificadas “são aquelas que: (a) forem relevantes para as atividades da
outra Parte na aplicação de suas leis”. No mesmo Artigo, encontram-se elencadas
diversas outras hipóteses de notificação, mesmo que os fatos investigados não
sejam considerados “relevantes”.
Diante de tais termos, depreende-se que, de um modo
geral, qualquer investigação de fatos que “forem relevantes” para a outra Parte
deve ser notificada.
Assim sendo, pela incontestável relevância das
investigações relativas ao Cartel do Metrô de São Paulo, é absolutamente
inadmissível que nossas autoridades se omitam diante da seguinte pergunta: estará,
o Brasil, descumprindo deliberadamente o Acordo, caso não notifique os EUA
sobre as investigações aqui realizadas?
Para subsidiar as discussões, será apresentado a seguir
um breve histórico do acontecido no caso do Cartel do Oxigênio, que, assim como
o Cartel do Metrô, é integrado por diversas transnacionais que atuam tanto no
Brasil como nos Estados Unidos.
O caso do “Cartel do Oxigênio”
A farta documentação coletada – um autêntico Estatuto do
Cartel – em uma operação de busca e apreensão realizada em fevereiro de 2004
nas dependências das quatro transnacionais acusadas de integrarem o Cartel do
Oxigênio originou um processo na Secretaria de Direito Econômico (SDE).
Apesar da exitosa operação de busca e apreensão nas
dependências das quatro empresas que dominam o mercado brasileiro de gases
medicinais e industriais ter possibilitado conhecer detalhadamente as entranhas
do cartel, como era de se esperar, não foram coletados indícios da atuação
cartelizada dessas empresas em nenhum outro país do mundo, apesar de as
integrantes do Cartel do Oxigênio já terem sido condenadas em diversos países.
Devido ao fato de tais transnacionais atuarem, também, no
mercado norte-americano, a Procuradoria Geral da República recebeu denúncia de
que o Brasil estava descumprindo o Acordo por não notificar os EUA sobre as
investigações aqui realizadas.
A interpretação da PGR
No final de 2004, a PGR instaurou o Processo n°
1.16.000.002028/2004-06 para apurar denúncia segundo a qual – por não notificar
as autoridades norte-americanas a respeito das investigações aqui realizadas
sobre o “Cartel do Oxigênio” – o Brasil estava descumprindo o Acordo, que havia
sido promulgado pelo Decreto nº 4702, de 21 de maio de 2003.
Passados quatro anos, em 8 de setembro de 2008, o Relator
de citado processo, Procurador Pedro Nicolau Moura Sacco, decidiu arquivá-lo,
afirmando que, segundo o Acordo, a notificação era incabível.
O Procurador Pedro Nicolau decidiu pela não notificação
aos Estados Unidos, interpretando da seguinte maneira os termos do Acordo: “O
tratado apenas obriga as partes soberanas a notificarem uma à outra a respeito
de investigações que coletem indícios de que os cartéis apurados também atuam
no território da contraparte”.
Diante de referida decisão, em outubro de 2008, foi
interposto Recurso à PGR. Tal Recurso foi indeferido em abril de 2010,
homologando-se o arquivamento, conforme proposto no Voto do Subprocurador-Geral
da República Paulo de Tarso Braz Lucas, que entendeu que “não merece reparo o
despacho de arquivamento”. Acompanhando o voto do relator, a Câmara de Revisão
da PGR referendou o entendimento do Procurador Pedro Nicolau.
Assim, conforme a interpretação do Acordo feita pela PGR,
as investigações realizadas no Brasil sobre um determinado cartel só têm que
ser notificadas às autoridades norte-americanas se – dentro da própria
investigação do cartel – forem coletados indícios que seus integrantes também
praticam o mesmo crime nos Estados Unidos.
Referida interpretação nos remete à seguinte hipotética
situação: caso, nos dias atuais, as autoridades norte-americanas estejam
investigando a empresa Alstom por formação de cartel em seu território, e
descubram a maneira como ela distribui propina a seus contratantes, ainda
assim, nosso parceiro no Acordo não passará a informação ao Brasil – se nas
investigações que lá estejam sendo realizadas, não forem coletados indícios que
a Alstom pratica o mesmo crime aqui.
Ninguém há de negar que, das duas uma: ou a interpretação
da PGR é absolutamente errada, ou o Acordo em questão é um autêntico “Acordo de
Patetas”.
A atuação da OAB
Em abril de 2011, o entendimento da PGR foi submetido à
apreciação da OAB, dando origem aoprocesso OAB 2011.18.03263-01.
O Relator do processo Welber Oliveira Barral, em seu
voto, partiu de uma falsa premissa: considerou que a denúncia havia sido
baseada em um caso ocorrido em “licitações realizadas por dois hospitais
localizados em Brasília” – caso, incontestavelmente, irrelevante. E tal falsa
premissa levou à falsa conclusão segundo a qual as investigações não eram
relevantes para as autoridades norte-americanas.
Em seu Voto – depois de afirmar corretamente que a
denúncia só seria enquadrável nas hipóteses (a) ou (b) das diversas hipóteses
previstas no Acordo para a notificação – o Relator Welber Oliveira Barral,
afirmou:“caberia às autoridades brasileiras averiguarem se as hipóteses (a) e
(b) tampouco restariam preenchidas. Após determinarem que as aplicações acima
mencionadas não eram relevantes para as atividades da outra Parte na aplicação
de suas leis (hipótese (a)), as autoridades brasileiras se voltaram à
verificação da hipótese (b).”
É de se destacar que, para justificar a não notificação
aos EUA, teve que aparecer uma falsa história de “licitações realizadas por
dois hospitais localizados em Brasília”.
Porém, para efeito do objetivo do presente artigo – que é
a notificação aos EUA das investigações relativas ao Cartel do Metrô de São
Paulo – basta o seguinte reconhecimento, que foi feito pela OAB: se as
investigações aqui realizadas forem relevantes, o Brasil tem a obrigação moral
de notificar seu parceiro no Acordo.
Para uso da OAB, cabe, ainda, informar: O Voto do Relator
Welber Oliveira Barral, bem como o Voto do Relator do recurso correspondente,
Cezar Britto, foram categoricamente criticados em dezembro de 2013 por meio do
vídeo intitulado “O cartel do metrô de São Paulo e o Acordo Brasil-EUA para
combater cartéis”. Tal vídeo foi dividido em duas partes, e tem seus links
apresentados ao final.
Conclusão
Todos concordam que um país que não zela pelo fiel
cumprimento daquilo que se comprometeu a fazer fica com sua credibilidade moral
arrasada.
No caso em questão, o descumprimento do Acordo Brasil-EUA
para combater cartéis, além de ter o potencial de provocar marcas indeléveis na
reputação de nosso país no cenário internacional, faz com que seja perdida a
melhor oportunidade de se aplicar um duro golpe nos cartéis formados por
transnacionais que exploram o consumidor brasileiro.
Finalizando seguem os links do vídeo “O cartel do metrô
de São Paulo e o Acordo Brasil-EUA para combater cartéis”
João Vinhosa é Engenheiro - joaovinhosa@hotmail.com
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