Sempre
que alguma demanda no sistema de saúde assombra o país, costuma-se
buscar as razões do mal em supostas anemias orçamentárias. Nesses
momentos, o proverbial diagnóstico de “falta de verbas” para o setor é
repetido com a persistência de um clichê. Ou, pela falta de substância,
de um bordão. Mas, mitigada pela receita fácil, a busca pela real origem
dos sintomas — os crônicos problemas de má administração de recursos e
de gestão deficiente — se perde em discussões bizantinas. Não têm sido
poucos, na administração pública, mormente no que tange a ações
dirigidas de Brasília, os exemplos dessa distorção.
Veja-se o
caso da produção e distribuição de soros e vacinas. Por quatro décadas,
uma ilha de eficiência em meio ao caos do sistema brasileiro de saúde
pública, o Programa Nacional de Imunização está com seus índices de
eficácia sob iminente ameaça. Trata-se de um organismo responsável,
entre outros feitos, por uma exitosa taxa de 98% de prevenção da
população exposta a doenças como sarampo, difteria, tétano e coqueluche.
A ameaça se deve menos à escassez de dinheiro para manter a agenda de
produção e distribuição de imunizantes e mais à desorganização
prevalecente na rede de serviços públicos do país.
Reportagem
recente do GLOBO mapeou o preocupante perfil do setor. Os números
mostram que está em curso um virtual e inédito — embora dissimulado, por
não assumido pelo Ministério da Saúde — racionamento na distribuição de
soros e vacinas às secretarias estaduais, responsáveis pelo
abastecimento dos órgãos municipais que cuidam da ponta na qual a
população é atendida.
São
números inaceitáveis num país que conseguiu erradicar doenças como a
varíola e a poliomielite graças a eficazes programas de vacinação. Em
Pernambuco, Paraná e Maranhão estavam zerados, alguns dias atrás, os
estoques de soro antielapídico (contra o veneno da cobra coral); o soro
antirrábico humano (contra a raiva) tinha os estoques reduzidos no
Distrito Federal, novamente em Pernambuco e Paraná; entre as vacinas
afetadas, escasseavam, em diversos estados, a BCG (tuberculose), a
tríplice acelular (DTPa, contra tétano, difteria e coqueluche) e a dupla
adulto (tétano e difteria).
O governo
federal trata o desabastecimento como problema pontual, assim como, no
caso específico dos soros, a obrigatoriedade, imposta pela Anvisa aos
laboratórios, de a produção passar a ter novos níveis de certificação.
Mas, em se tratando de área essencial, quaisquer que sejam as razões
desse apagão, o que perpassa a baixa de estoques (quando não a falta
total de medicamentos) é o planejamento inconsistente para contornar,
que sejam, tais “problemas pontuais” — assunto, portanto, ligado ao
gerenciamento. O quadro é preocupante, ainda mais quando se coloca na
mesa a carta da Copa como um complicador, em razão das óbvias
movimentações de turistas provenientes de diversas partes do mundo.
14 de maio de 2014
in orlando tambosi
Nenhum comentário:
Postar um comentário