O PT
decidiu fazer a campanha do medo vencendo a esperança, invertendo a
fórmula do marqueteiro Duda Mendonça em 2002. Em sua inserção na TV,
investe no terrorismo eleitoral. Simula cinco situações que oporiam o
Brasil do passado — governado pelo PSDB — ao do presente, sob a gerência
do PT. Os atores de cada um dos quadros são os mesmos, ontem e hoje.
Uma família feliz, por exemplo, está comprando sorvete na rua e olha
para si mesma, no passado, quando vivia na indigência.
Uma lágrima, nada
furtiva, rola dos olhos de uma menina. Uma voz em off, meio cavernosa,
alerta: “Não podemos deixar que os
fantasmas do passado voltem e levem tudo o que conseguimos com tanto
esforço. Nosso emprego de hoje não pode voltar a ser o desemprego de
ontem. Não podemos dar ouvidos a falsas promessas. O Brasil não quer
voltar atrás”.
Independentemente
das afinidades eletivas, trata-se de uma mistificação grosseira no que
afirma e no que omite. “Ah, o PSDB fez o mesmo em 1994, 1998 e 2002 e
venceu a eleição assim duas vezes!” A afirmação é falsa como nota de R$
13. Deixar claro que o PT era contra o Plano Real não era “terrorismo
eleitoral”, mas matéria de fato.
Pode-se encontrar a propaganda do
partido na Internet. Os arquivos da imprensa estão disponíveis. Aloizio
Mercadante e Maria da Conceição Tavares haviam convencido Lula de que o
malogro seria espetacular e de que os pobres pagariam a conta do ajuste.
Eu era editor-adjunto de Política da Folha em 1994. Tentei uma
entrevista com Conceição. Sua indignação com o plano era tal, “meu
irmão!”, que ela começou a gritar comigo como se eu fosse o Pérsio Arida
ou o Edmar Bacha. Chorou um pouco e bateu o telefone na minha cara
“porque vocês da imprensa não entendem nada!”. Ao menos a sua indignação
era sincera, o que não é costumeiro entre petistas, que só se indignam
quando isso lhes parece oportuno.
A ladainha
contra o plano e contra os fundamentos que garantiam a estabilidade da
economia foi a peça de resistência das campanhas de 1998 e, sim!, também
da de 2002. O lema “O medo vencendo a esperança”, com aquelas grávidas a
anunciar os bebês de Rosemary, ao som do “Bolero”, de Ravel (que
desperta em mim os instintos mais primitivos), não escondia o fato de
que não havia plano de voo a não ser “mudar isso tudo que está aí”.
Tanto isso é verdade que a especulação passou a comer solta, o PT
percebeu que poderia herdar um país ingovernável por conta de sua
histórica irresponsabilidade e redigiu, então, a tal “Carta ao Povo
Brasileiro”, que foi revisada por gente do governo FHC, o que poucos
sabem. E eu sustento que foi assim ainda que os dois ex-presidentes
neguem. O tucano sempre silenciou a respeito por elegância; o petista,
por oportunismo.
Na
história, não existe “se”, mas isso não nos impede de fazer exercícios
lógicos. E se o PT tivesse vencido em 1994? E se tivesse vencido em
1998? E se não tivesse mudado o rumo da prosa a partir de 2003, quando
aderiu às práticas que jurava que iria exterminar? O partido foi ao
Supremo em 2000 contra a Lei de Responsabilidade Fiscal. A questão ficou
no tribunal por quase uma década. Em abril de 2003, no quarto mês da
era petista, entrevistei o então ministro da Fazenda, Antônio Palocci,
para a revista “Primeira Leitura” (que o petismo ajudou a fechar fazendo
terrorismo nas agências de publicidade e no setor privado).
Quando
deputado, ele havia votado contra a LRF. No entanto, ele me disse
naquela entrevista: “Para mim, responsabilidade fiscal é uma questão de princípio, anterior à política”.
Você entenderam direito: Palocci dizia que a Lei de Responsabilidade
Fiscal contra a qual ele próprio votara e contra a qual seu partido
recorrera ao Supremo era intocável. O governo Lula passou a lutar,
então, para mantê-la. Vale dizer: o PT de situação queria que o STF
dissesse um “não” ao que havia reivindicado o PT de oposição.
É evidente
que esse país do passado, de que fala o PT, não é o de seus aliados
José Sarney ou Fernando Collor. Não! O país melancólico, da fome, do
desespero, dos meninos que lavam para-brisas no farol (como a gente
sabe, isso não existe mais, certo?), das famílias esfomeadas, ah, esse
seria o país dos tucanos, do governo FHC. Quem conhece a história
precisa ter um pouco de estômago para aguentar tamanha mistificação.
Mas
convenham: não será por excesso de pudor que o petismo entrará para a
história, não é mesmo?
De resto, qualificar um partido adversário de
“fantasma do passado”, como se a alternância de poder fosse uma
regressão, é essencialmente fascistoide. É precisamente isto o que penso
do PT há muitos anos: um partido fascistoide.
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