Ao lado do alambrado, a torcida vibra. Com uniforme da
seleção brasileira e chuteiras laranjas, o principal atacante do Vila Aliança
Clube — equipe local de um campeonato de futebol amador organizado na
comunidade homônima, em Bangu, na Zona Oeste do Rio — se prepara para bater um
pênalti na semifinal da 1ª Copa de Futebol de Vila Aliança. Convertida a
cobrança, o autor do gol corre em direção ao público para festejar. Mas não se
ouvem fogos na comemoração: o som que marca a festa para a equipe da casa é o
das rajadas de tiros. Em meio a torcedores, homens armados disparam fuzis
durante pelo menos 35 segundos. Toda a cena, ocorrida em 4 de maio deste ano,
um domingo antes do Dia das Mães.
O vídeo tem 40 segundos de duração e mostra pelo menos cinco
criminosos armados efetuando os disparos para o alto. Eles também vestem
camisas do Brasil, e alguns ainda usam os meiões e chuteiras, como se tivessem
acabado de deixar o gramado. Outro homem, mais velho e acima do peso, veste uma
blusa semelhante, mas na cor azul e com o número 9 nas costas. Ele ostenta
joias e um relógio dourado.
Ao redor, dezenas de homens — na maioria jovens de bermuda,
camisa polo, chinelo, boné e cordões de ouro — parecem encarar com naturalidade
os disparos. Alguns chegam a tapar os ouvidos por causa do barulho, mas ninguém
corre ou ameaça deixar o local. O campo fica numa praça localizada na área
conhecida como Tiroteio, no Caminho do Lúcio. Já os tiros são disparados em uma
quadra de cimento ao lado, separada do campo por um alambrado.
A copa era divulgada por uma página no Facebook até o fim da
noite de ontem, quando — após tentativa de contato do EXTRA com os
organizadores — o endereço foi apagado. Em 16 de março, uma postagem informava
que a rodada do torneio foi suspensa “por motivo de um forte tiroteio na
comunidade”.
Nas imagens, é possível ver pelo menos cinco armas. De
acordo com o especialista Vinícius Cavalcanti, é possível identificar três
tipos de fuzis — AR-15, AK-47 e FAL.
— São todos armamentos militares de uso restrito, vindos de
fora do país. Mostra um grande poder de fogo desses criminosos, mas não vemos
nenhuma grande novidade nessas armas que aparecem. Não há nenhuma surpresa —
comentou Vinícius.
O especialista chamou atenção, no entanto, para uma luneta
acoplada no fuzil do jogador que usa a camisa 26.
— Isso proporciona uma grande precisão no tiro que ele vier
a disparar — explica.
O ex-comandante do 14º BPM (Bangu), tenente-coronel Gláucio
Moreira da Silva, que foi exonerado na úlima segunda-feira do cargo, afirmou
que não teve qualquer informação sobre um torneio de futebol na Vila Aliança
envolvendo bandidos ou facções criminosas da região. Ele frisou ainda a atuação
do batalhão na região. Segundo o tenente-coronel, no último dia 12, foi preso o
traficante conhecido como Douglas Carvalho Medeiros, de 35 anos, conhecido como
Zidane por sua fama de bom jogador de futebol.
— Realmente não tivemos conhecimento desse episódio. Temos
feito prisões e apreensões de fuzis na Vila Aliança — comentou Gláucio, que
apesar de exonerado, ontem ainda estava no comando do 14º BPM.
O Vila Aliança Clube seria apoiado pelo traficante Rafael
Alves, conhecido como Peixe, apontado como o principal chefe do tráfico na
comunidade de Bangu. Outros cabeças da mesma facção criminosa, entretanto,
também organizaram suas próprias equipes. A escolha do elenco seria feita
através da oferta de regalias ou até mesmo intimidando moradores da favela.
Peixe, de 31 anos, encontra-se foragido. Entre outras
acusações, ele responde por assalto a mão armada, formação de quadrilha e
associação para o tráfico. O Disque-Denúncia (2253-1177) oferece recompensa de
mil reais por informações que levem a sua localização. Ele chegou a ser detido
em março de 2008, mas não retornou ao presídio após obter o regime semi-aberto
em julho de 2009.
Em 16 de março, ocasião em que uma rodada do campeonato foi
suspensa por “forte tiroteio”, um ônibus chegou a ser incendiado depois de um
confronto entre policiais e traficantes. Três dias antes, a comunidade vizinha
da Vila Kennedy, também em Bangu, havia começada a ser ocupada por militares
para viabilizar a instalação de uma Unidade de Polícia Pacificadora.
Do Extra
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