O ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, concede uma impressionante entrevista a Valdo Cruz e Natuza Nery na Folha
de hoje. Ele diz algumas bobagens e algumas coisas com método. As
metódicas fazem parte da estratégia petista de ver se a oposição cai
numa armadilha. As besteiras são inevitáveis porque está além das suas
forças evitá-las. Não é por vontade, mas por imposição da natureza.
Começarei pelo método.
Mercadante
admite, sim, que o governo está represando tarifas para conter a
inflação — o que ele prefere chamar de política anticíclica. A sabedoria
firmada a respeito não inclui o mascaramento de preços e de custos como
parte do receituário anticíclico, mas Mercadante sempre foi muito
criativo. Está tentando provocar o lado, digamos, principista dos
economistas ligados à oposição e de outros críticos do governo.
Se,
amanhã, caírem na armadilha de dizer: “Estão vendo? O governo segura
preços!”. Aí o PT arremata acusando seus adversários de querer punir o
povo com aumento de energia e combustíveis. A tática é pedestre, mas
sempre há quem possa cair em tentação.
Como Mercadante não chega a ser, assim, um Schopenhauer, ele mesmo entrega o jogo:
“Na
medida em que estamos pegando energia mais cara e podemos diluir o
reajuste, estamos fazendo um bem para a sociedade. Ao contrário do que
vocês acham. Se fizer um reajuste muito alto, aumenta o custo da
produção, perde competitividade. Aí vendo menos, produzo menos e emprego
menos. Essa é a tese que querem trazer de volta ao país. [A solução]
não é dar um choque de preços, aumentar o custo de vida da população e o
desemprego. A estabilidade é inegociável. Mas essa campanha
pró-inflação gera uma expectativa inflacionária.”
Pronto! O
governo que elevou a inflação para o teto da meta agora tenta acusar
adversários de fazer campanha em favor da inflação. Além da oposição, a
gente nota, a imprensa também!
O ministro, pelo visto, acha que os números da economia são bons, daí que demonstre assim a sua avaliação positiva sobre 2014:
“A oposição e uma parte importante da imprensa desenharam um cenário que entraríamos em 2014 com a tempestade perfeita”.
Como lembraram os entrevistadores, quem fez esse alerta não foram nem
oposição nem imprensa, mas Delfim Netto, que é governista e conselheiro
de Lula. A “tempestade perfeita” decorreria, para Delfim, da redução do
rating do Brasil — e o país teve notas rebaixadas por agências de risco —
e do início do fim dos estímulos monetários nos EUA. Disso poderia
advir uma elevação da taxa de juros no mundo, uma reversão no fluxo de
capitais, ajuste na taxa de câmbio, perda de renda dos trabalhadores…
Tudo isso, diga-se, está mais ou menos dado, ainda que em escala bem
reduzida. Por enquanto, o céu está apenas escuro.
Mercadante
foi o homem que convenceu Lula de que o Plano Real, justamente aquele
que acabou com a inflação, seria um fiasco e se opôs a ele
violentamente. Lembrado sobre o seu passado, afirmou:
“Eu critiquei a âncora cambial do Plano Real; disse que era um equívoco, e a história acho que me deu razão”.
É uma frase que um dia será estudada pelos economistas. Naquela época,
como lembraram os jornalistas que o entrevistaram, nem sequer havia
âncora cambial. Mas ele não se deu por achado: “Lógico que tinha. A URV
foi criativa, muito importante para estabilizar a economia. Mas foi uma
estabilidade fundada na apreciação do câmbio”.
Fazer essa consideração
sobre o período inicial do Plano Real, como sabe qualquer economista
minimamente informado, ou decorre da indigência intelectual ou da má-fé.
E, acreditem, nesse caso, não se trata de má-fé. É que Mercadante não
entendeu o Plano Real até hoje. Lula jamais o perdoou por isso (entre
outras coisas) e nunca o fez ministro. Dilma o transformou num dos
homens fortes do governo.
Ah, sim,
para encerrar: ele ataca, numa intervenção completamente fora do
contexto, o governo de São Paulo porque não teria feito “investimento
prudencial” na área de abastecimento de água. Este senhor foi candidato
ao governo do Estado há pouco mais de três anos. Nem mesmo tangenciou o
tema. Preferiu ficar fazendo demagogia com pedágios e com a defesa da
reprovação de alunos do ensino fundamental. De resto, um chefe da Casa
Civil — por definição, é ministro de todos — que se dispõe a atacar
governos de estado liderados pela oposição se comporta como mero
boqueiro de urna.
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