O projeto atual exorbita a proposta original da Presidência da República. Pelo bem do interesse público, ele não pode prosperar.
Obras no entorno do Mineirão.
É muito provável que o Senado decida nesta terça-feira, dia 20, o
futuro da MP 630/13. A medida, em sua versão atual, universaliza o uso
do Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC) para todas as
licitações de obras pública da União, dos estados e dos municípios.
Os arquitetos e urbanistas são contra tornar regra o que deveria ser
exceção. Os engenheiros também. Idem alguns sindicatos de pequenos e
médios construtores. E mesmo na base governista no Senado há quem
critique com veemência o projeto de lei originário da MP. Ao que parece,
só a senadora e ex-ministra Gleisi Hoffmann (PT-PR) está a favor e diz
isso em público, ainda que com confusos entendimentos sobre as etapas,
os processos e as responsabilidades técnicas das obras públicas...
Fica no ar, então, uma pergunta: a quem, afinal, interessa o RDC amplo e
irrestrito? Se apreciam a democracia, essas forças deveriam aparecer e
apresentar seus argumentos. Por que se escondem?
Como relatora da matéria, foi a ex-ministra da Casa Civil quem propôs a
generalização do que deveria ser diferente. Não era esse o desejo
inicial da presidente Dilma Housseff. Ao editar a medida, no final de
2013, motivada pela crise prisional do Maranhão, a presidente queria
ampliar o RDC apenas para obras de estabelecimentos penais e unidades de
atendimento socioeducativo. “Apenas” em termos, porque criado para
atender a realização das obras públicas com prazo compromissado para a
Copa do Mundo e as Olimpíadas, o regime diferenciado já passara antes
por diversas ampliações para empreendimentos tidos como emergenciais,
como o PAC.
O projeto atual exorbita a proposta original da Presidência da
República. Pelo bem do interesse público, ele não pode prosperar.
O mais recomendável seria analisar os prós e contras do RDC no fórum da
revisão da lei das licitações (8666/93), também em tramitação no
Senado. Se aprovada como está a MP 630/13, a lei das licitações será
revogada na prática, jogando-se no lixo todo trabalho dos relatores
Eduardo Suplicy (PT-SP) e Katia Abreu (PMDB-GO), baseado em diversas
audiências públicas, com participação das instituições que têm o dever
cívico de contribuir para o tema, inclusive o Conselho de Arquitetura e
Urbanismo do Brasil (CAU/BR).
O planejamento e o gerenciamento público do País têm sofrido duros
baques nas últimas décadas. Todo um conjunto de pensamento estratégico e
patrimônio técnico construído com vigor, nas mais diversas esferas, tem
sido menosprezado em troca de ações imediatistas, dispersas e em geral
de baixa qualidade e economicidade. Muitos projetos da CEF estão parados
porque não há quadros profissionais suficientes ou capacitados para
realizar as especificações técnicas necessárias. Existem hoje 1.718
municípios no Brasil que, pelo Estatuto da Cidade, deveriam ter
elaborado Planos Diretores em 2006, mas que até agora nada fizeram.
Com a universalização do uso do RDC, o Estado brasileiro assume
oficialmente sua incapacidade de planejar e administrar a infraestrutura
do País e os espaços públicos de nossas cidades. O regime, através da
“contratação integrada”, transfere para as grandes empreiteiras as
tarefas de projetar, realizar as obras e até promover testes do que elas
próprias conceberam e construíram. Mais: pela MP em discussão, tais
empresas poderão também assumir a operação ou a manutenção do bem
público por até cinco anos, sem qualquer outra licitação para essa
Parceria Público-Privada.
Seriam elas as protagonistas que não saem dos bastidores? Quem mais tem
condições de se mobilizar para fazer o que o Estado deixou escapar de
suas mãos? É correto ficarmos reféns de empreiteiras que, como lembram
muitos senadores, são os maiores contribuintes das campanhas eleitorais?
Não há como contratar com seriedade uma obra sem que ela tenha um
projeto completo feito antecipadamente (e de forma independente) ao
certame licitatório. Veja-se o exemplo do que ocorre com as obras do
“legado” da Copa da FIFA em que o regime diferenciado de contratação foi
efetivamente utilizado. Levantamento feito pelo Sinaenco (Sindicato
Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva), em
parceria com o CAU/BR, mostra que de 16 contratos assinados para obras
de mobilidade urbana e acesso aos estádios, apenas um foi concluído até
agora, a menos de um mês do campeonato mundial. E de 26 contratos para
trabalhos diversos em aeroportos, utilizando o mesmo expediente, só três
foram encerrados no prazo. Nossas fontes são o Portal da Transparência
do governo federal e a Infraero.
Fica comprovado, na prática, que ao facilitar os procedimentos
licitatórios, o RDC pode agilizar a contratação, mas a partir daí tudo é
imponderável. Não há como cobrar qualidade, custo justo e cumprimento
de prazo de algo contratado “em branco”, só pelo menor preço. Há muitos
outros itens que exigem uma análise com bom senso. Como a possibilidade
de “recomposições de preços” ou “alterações de projetos”, o que desmonta
a tese de que o RDC impede reajustes contratuais. Não é à toa que
correm no STF duas ações de inconstitucionalidade contra o instrumento.
É preciso saber se os cidadãos, que também são contribuintes e
eleitores, estão confortáveis com esse quadro. A ex-ministra afirma que
prefeitos e governadores são os maiores interessados na liberação geral
proposta e têm exercido forte pressão junto ao governo. Que eles venham a
público, então, manifestar democraticamente seus argumentos. Da mesma
maneira como estamos fazendo no caso da lei 8.666/93, cuja revisão
apoiamos, para que o Brasil tenha uma legislação licitatória moderna,
que agilize processos, mas que seja inquestionável.
* Haroldo Pinheiro é presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR)
Fonte: HAROLDO PINHEIRO* - coluna do AUGUSTO NUNES - 20/05/2014 - - 08:19:36
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