Juveninho anda muito ocupado fazendo 30 anos. Logo ele, que chegou à idade da razão aos 12. O motivo é simples, ele diz: há muito a se fazer quando se tem 30 anos. Os amigos desconfiam de crise existencial, balanço mental, revisão de valores e objetivos. Mas isto, afirma Juveninho, é coisa de quem espera completar 30 anos para tirar a fralda do cérebro.
A de Juveninho, ele garante, ficou há mais de uma década pela prateleira, marcando a página 56 de “O apanhador no campo de centeio”: “quando estou com gente burra”, dizia Holden Caufield, “fico burro também”. Desde então, o objetivo de vida de Juveninho é ser inteligente.
O maior problema de querer ser inteligente no Brasil é a falta de companhia. Para Juveninho, seus amigos só querem ser ricões, com carrões, apartamentões e mulheres lindas e gostosas.
Já as mulheres lindas e gostosas podem até pular de quebra-galho em quebra-galho (Juveninho em Juveninho, traduzem os amigos), mas estão mesmo é atrás dos homens ricões, com carrões e apartamentões. E as mulheres não tão bonitas e gostosas se arriscam em cirurgias estéticas, a fim de atender milimétrica e mililitramente às exigências desses tipos tão sutis de homem (os borrachófilos, segundo Juveninho), os quais, para elas, são os únicos que existem. Onde a biblioteca é a conta bancária, ele diz, o divã é o leito cirúrgico.
A aversão à inteligência – ou intelectofobia; ou Juveninhofobia, segundo Juveninho – produz uma multidão de reféns voluntários das propagandas dominantes (inclusive a de peitos), como se pode verificar diariamente no facebook. Basta uma companhia aérea divulgar uma promoção, e todos os colecionadores de paisagens correm para completar seu álbum.
O ideal mais elevado dessa geração, ele diz, é registrar em algum lugar paradisíaco o seu edificante momento seminu fazendo absolutamente nada, para então despertar a inveja dos miguxos do outro lado da tela, ansiosos por extravasar o tédio de empregos aborrecidos em vislumbres ilusórios de felicidade, como se o conteúdo das paisagens pudesse suprir a sua miséria interior.
Para Juveninho, viagem é como megaevento: um índice de possibilidades. Quem faz de uma viagem um fim em si mesma, está sempre em função da próxima, sem nunca ter feito valer a primeira. Da mesma forma, quem não leva adiante qualquer possibilidade extraída de um megaevento – seja uma possibilidade loira, ruiva, morena ou mulata –, está sempre em função do próximo, sem nunca ter feito valer o primeiro.
Do Louvre, do Havaí ou do carnaval de Salvador, seus amigos guardam – isto é, publicam – sempre a mesmíssima e única coisa: uma foto com pulinhos e caretas diante do cenário, com aquela certeza afetada (“uhuuuuul”, traduz Juveninho) de que isto representa o máximo em matéria de aproveitar a vida.
São os colecionadores de índice, ele diz: nunca se aprofundaram em qualquer assunto, interesse, conhecimento ou morena. Vivem para ostentar, senão a riqueza, ao menos a beleza e o prazer.
Balzac escreveu que o homem começa a morrer na idade em que perde o entusiasmo; e Juveninho se sente a cada dia mais cercado de zumbis, que afetam entusiasmo para camuflar existências vazias, destituídas de qualquer significado maior. O cruel retorno à realidade, marcado por uma inescapável depressão ao fim de cada viagem, megaevento, ou simplesmente domingo, serve menos como alerta para um ciclo vicioso de frustrações do que como estímulo para a compra antecipada de passagens e ingressos para novos mundos encantados de “gente bonita”, onde balzaquianos que nunca leram Balzac, segundo Juveninho, pulam, bebem e fazem “uhuuuuul”, convictos de estarem participando de um grande acontecimento cultural.
Aos 30 anos, se você é bonito, mora sozinho, pula, bebe e faz “uhuuuuul”, diz Juveninho, você tem tudo de que precisa para pousar os maiores aviões do Brasil na sua pista.
Principalmente, ele diz, se você gosta de aviões emborrachados.
Em 1945, Henry Miller já questionava se o objetivo do adulto americano era se tornar “apenas um ‘sucesso’, independentemente da forma ou do estilo, do propósito ou da significação” com que o sucesso se manifestasse. Juveninho, hoje, não tem dúvidas: o objetivo de seus amigos é se tornar apenas um “sucesso”, para poderem finalmente consumir pacotes de turismo e de silicone.
Aprendeu com Olavo de Carvalho: ao substituir a realização superior do homem na vocação pela mera busca do emprego, sem nenhuma importância no que diz respeito ao conteúdo, os brasileiros vivem presos “como animaizinhos, entre a dor inevitável e o prazer impossível”, “entre o trabalho forçado e a diversão obsessiva (da qual o Carnaval é a amostra mais significativa)”.
Se Henry Miller, aliás, sonhava com um zoológico humano, o sonho se realizou. Para Juveninho, o facebook é um zoológico virtual de animaizinhos presos entre o trabalho forçado e a diversão obsessiva, da qual o Rock In Rio é a amostra mais significativa.
A jaula favorita de Juveninho é a dos casais, através da qual ele pode – como queria Miller – “estudar a felicidade conjugal com certo distanciamento e imparcialidade”. Do namoro à lua-de-mel, das férias ao primeiro filho, do ciúme à separação, Juveninho acompanha cada cena de sua novela das oito feicebuquiana, esforçando-se, ele admite, para não atirar pipoca aos macacos. Não espanta Juveninho que, assim como tudo o mais, a declaração de amor só tenha sentido atualmente quando tornada pública, e seja tanto mais admirada, desejada e comovente (“Que fofoooo!”, ele traduz) quanto maior o público alcançado.
Quem não encontra uma atividade que dê sentido à própria vida, ele diz, despeja no espaço público tanto as frustrações quanto as supostas paixões vividas. Por isso, Juveninho não se comove com a moda dos pedidos de casamento no YouTube. Declara que é tudo esgoto do mesmo zoológico virtual e que já dizia o velho ditado juveniniano: cão que ladra não afoga o ganso.
Os amigos o chamam de insensível. Acham que Juveninho está sentindo o peso da idade e da solidão, e começando a exagerar no tom e na hostilidade. Dizem que ele só não viaja mais porque, depois de velho, passou a ter medo de avião; e que, do Louvre, do Havaí e do carnaval de Salvador, só não guardou as fotos porque suas ex-namoradas roubaram todas. Que Juveninho só não vai ao Rock In Rio ver o show do Guns porque, quando lembrou que admirava o Rose, a fila já durava dez horas e ele não tinha barrinhas de proteína e cereal suficientes.
Que ele só anda ocupado porque decidiu morar sozinho, numa última tentativa de enjaular moças lindas e gostosas, emborrachadas ou não, pois que Juveninho já teria sido visto fazendo “uhuuuul” com uma série de peitinhos faber-castell pela cidade. E que não adianta Juveninho despejar na literatura os seus recalques, porque eles, os amigos, estarão sempre de olho, esforçando-se para acertar a pipoca, o churros e a pizza bem na cara do macaco.
Juveninho dá de ombros. Com tantas moças casadas chamando-o de inflexível por recusar o papel de amante, não serão os amigos – chamando-o de insensível por simplesmente descrever a realidade – a lhe despertar a fúria. Aos 30 anos, Juveninho não tem mais tempo para quem não quer entender, nas palavras de Miller, “até as coisas desagradáveis”, “até mesmo o que parece hostil, mau, ameaçador”; ou para quem não quer, nas palavras de Juveninho, tirar a fralda do cérebro.
Quando está com gente burra, ele agora usa a internet do celular. Nada mais pode desviá-lo do objetivo de ser inteligente; nem mesmo os aviões sobrevoando o zoológico sem pousar na sua jaula. Se a inteligência no Brasil é incompatível com a beleza, ele diz, azar o da beleza. Para o balzaquiano Juveninho – e os amigos não negam -, sempre há um “trocinho” querendo saber com quantos “us” se faz um “uhuuuul” de verdade.
Felipe Moura Brasil – http://www.veja.com/felipemourabrasil
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