quarta-feira, 28 de maio de 2014

Para acompanhar as moças que achava lindas, Woody Allen precisou ler. E hoje no Brasil? O que é preciso?



[AVISO DE QUARTA-FEIRA: Finalmente, acabei o trabalho editorial que me obrigou a diminuir o ritmo do blog na última semana, de modo que agora vou ali ler o mundo e já volto com tudo. Se eu fosse esquerdista, como expliquei aqui, nem precisava, é claro.]



O Brasil estreia na Copa do Mundo bem no Dia dos Namorados, mas o coração de Juveninho, dizem os amigos, está com as obras mais atrasadas que o Itaquerão. O motivo alegado, supõe-se, é o mesmo do ano passado (e do retrasado, e de todos os anteriores, até aquela época em que Juveninho só queria saber de jogar futebol): o limbo mental das moças.

Se recordar é viver, recordemos, então: Juveninho, apesar da fé de que vai encontrar uma exceção morena com um mínimo de curiosidade intelectual até o dia 12, ficou muito mais preocupado com esse limbo…


depois que descobriu o que fez Woody Allen conhecer escritores sérios, como o russo Anton Tchekhov:

“Foi no finzinho da escola secundária” — contou ele ao jornalista Eric Lax em 1988 —, “quando comecei a sair com mulheres que me achavam iletrado. Eu achava aquelas meninas lindas: sem maquiagem, joias de prata, bolsa de couro. Saía com uma delas, que dizia: 

‘O que eu queria mesmo fazer hoje era ouvir o Andrés Segovia’. E eu dizia: ‘Quem?’, e ela dizia: ‘Andrés Segovia’. E eu simplesmente não sabia do que ela estava falando. Ou então outra dizia: ‘Você já leu este romance do Faulkner?’. E eu dizia: ‘Eu leio gibi. Nunca li um livro na vida. Não entendo nada disso’. E então, para poder acompanhar, precisei ler.”


Foi para poder acompanhar as moças que achava lindas de sua geração que aquele que viria a ser um dos maiores cineastas de todos os tempos — e um dos favoritos de Juveninho — precisou ler Faulkner, Hemingway, Fitzgerald, Tchekhov e peças de teatro, o qual passaria a frequentar aos 18 anos, a fim de escrevê-las também (já que “roteirista de cinema não era nada, só um nome anônimo cuja obra era retalhada. E um dramaturgo era uma grande coisa”); e ainda precisou ouvir música clássica, como o violão erudito de Andrés Segovia, o mesmo a quem Villa-Lobos dedicou seus “12 estudos” — embora Juveninho prefira a Ária (Cantilena) das Bachianas Brasileiras número 5, gravada por Jorge Aragão —, recebendo depois uma série de sugestões de mudança no texto musical.


Já para poder acompanhar as moças que acha lindas (e sensuais) de sua geração (e das gerações abaixo, dizem os amigos), aquele que virá a ser o maior escritor de todos os carnavais — ele mesmo: Juveninho — precisa ler Caras, Contigo, Ego e o caderno Ela, além de textos falsamente atribuídos a Arnaldo Jabor, Luis Fernando Verissimo e Martha Medeiros, citações de livros não lidos de Clarice Lispector e Caio Fernando Abreu, e frases do maior filósofo das redes sociais brasileiras, o apologista da maconha Bob Marley; e ainda precisa ouvir Thiaguinho, Jorge e Mateus, MCs Naldo, Catra e Marcinho, além de Coldplay, Jack Johnson e Beyoncé, aquela que homenageou o presidente-teleprompter Barack Obama, em sua posse, cantando o hino americano em playback. 

[Talvez Woody Allen achasse lindas as moças feias, mas isto tampouco resolve o problema de Juveninho, que não admite baixar o seu padrão.]

“O que eu queria mesmo fazer hoje era ouvir o Wiz Khalifa”, dizem as mais novinhas. E Juveninho: “Quem?” Elas: “Wiz Khalifa” — e fazem aquela cara de assombro, como se só um E.T. não soubesse do que se trata. O E.T. Juveninho então lhes pergunta, apontando com o dedinho mágico: “Você já leu Goethe?”. Elas: “Quem?” Ele: “Goethe” — e faz aquela cara de caridade, como quem oferece a chance de suas bicicletas voarem. E de fato voam, dizem os amigos. Voam para bem longe de Juveninho. Não que o moço mais completo de sua geração, segundo ele mesmo, achasse que elas se tornariam as maiores cineastas de todos os tempos caso tentassem acompanhá-lo, mas ao menos, ele diz, entenderiam melhor suas piadas.

A tragicomédia brasileira, resume Juveninho, está toda ela contida nesta simples comparação: Woody Allen, sentindo-se ignorante ante o conhecimento alheio, buscou humildemente o aprendizado; a moçada brasileira, sentindo-se ultrajada ante o conhecimento alheio, foge, maldiz, xinga, chama de velho, nerd, louco, autista, elitista, metido, arrogante, rancoroso, racista, homofóbico, fascista, teórico da conspiração, o diabo. E ainda acha que, se tiver o pensamento positivo, tudo vai dar certo. Com pensamento positivo, dizem os amigos, Juveninho não levanta nem… Bom, deixa pra lá.

Felipe Moura Brasil

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