Às vezes, o
debate fica meio atrapalhado, e cumpre, se me permitem o neologismo,
desatrapalhar.
Neste domingo, o ex-governador de Pernambuco e
pré-candidato do PSB à Presidência, Eduardo Campos, resolveu marcar suas
diferenças em relação ao tucano Aécio Neves, no encerramento de um
encontro promovido pelo Partido Pátria Livre, ex-MR-8, que, depois da
redemocratização do país, passou a ser um braço de Orestes Quércia no
PMDB. Doente, o ex-governador se retirou da política já no fim de 2008.
Morreu em 2010.
Em 2009, surgia o Pátria Livre. Adiante. Já que o PSB,
afinal, se diz “Partido Socialista Brasileiro”, cumpre, quem sabe?,
lembrar a Campos o que dizia Mao Tsé-tung sobre a contradição: existem a
fundamental e as secundárias. Creio que, hoje, a contradição
fundamental do PSB se dá com o PT — e é nessa frente que vale a pena
gastar energias. As diferenças com Aécio são secundárias.
Transformá-las
em tema de debate — e fazer digressões a respeito — interessa, vamos
ser claros, àqueles que mantêm contradições fundamentais com ambos: os
petistas. Pode ser que Campos esteja sendo levado a marcar essas
diferenças pelo grupo marinista. Seria o caso de constatar que, até
agora, essa aliança não lhe agregou votos. Isso deve querer dizer alguma
coisa.
No encontro do tal Pátria Livre, Campos considerou:
“Assumi um compromisso que não se vai fazer mudança no país tirando direito dos trabalhadores. Hoje, o Ministro Mantega fala nisso e o candidato Aécio também já se posicionou em relação a isso. A questão da maioridade penal é outro exemplo. Eu já deixei muito claro que a questão da segurança é muito mais séria que isso. A maioridade penal é uma cláusula pétrea da constituição. O supremo já se posicionou sobre isso, não tem como mudar. Quem está falando que vai mudar isso, não conhece a decisão da suprema corte do país — disse ele, aproveitando para alfinetar o candidato do PSDB que afirmou recentemente apoiar, em casos especiais, a redução da maioridade penal.”
Vamos,
então, pôr as coisas no lugar. Comecemos pela questão trabalhista. O
tucano Aécio Neves não defendeu “flexibilização” nenhuma. Quando se
referiu recentemente ao tema, falava de um setor específico, o de
turismo, que vive uma realidade muito particular. De resto, os
trabalhadores do setor privado com carteira assinada chegam a 77,1% num
universo de 57,3% de pessoas com idade de trabalhar consideradas
“ocupadas”. Esses números são do IBGE e se referem ao quarto trimestre
do ano passado.
Logo, há
de se convir que existem milhões de trabalhadores ainda na
informalidade. Aécio não defendeu a flexibilização, mas a proposta
deveria ser abraçada por todos os candidatos. A flexibilidade não é
sinônimo de precariedade. Alguns setores, com menos encargos e regras
menos rígidas, poderiam empregar mais e formalizar mais as relações
trabalhistas. Campos fez, portanto, uma síntese ligeira e superficial do
tema, atribuindo, de resto, a seu parceiro de oposição, ainda que em
outro partido, um opinião que não tem.
No caso da
maioridade penal, está duplamente equivocado. A proposta do PSDB,
apresentada pelo senador Aloysio Nunes (SP), mantém a maioridade aos 18
anos, mas confere à Justiça, no caso de crimes hediondos, a
possibilidade de responsabilizar um criminoso a partir dos 16. De resto,
não é verdade que o Supremo Tribunal Federal já tenha se manifestado a
respeito. A informação está errada. A título de ilustração: na sabatina
de que participou no Senado, por exemplo, Teori Zavascki opinou que não
se trata de cláusula pétrea.
Na sua
intervenção, Campos também acusou o governo de fazer terrorismo
eleitoral ao sugerir que, se a oposição vencer a eleição, o Bolsa
Família vai acabar. Defendeu ainda “uma regra para o preço dos
combustíveis, que leve em consideração o preço internacional e também o
custo de produção no nosso país”. E emendou: “Quando o governo toma essa
posição, o que isso gera? Tira a Petrobras do trilho em que estava
porque precisava de gente comprometida que pudesse fazer a blindagem da
interferência política. Quando se desrespeita o planejamento estratégico
da companhia e deixa a companhia submetida a interesses politiqueiros,
tira dela a possibilidade de saber qual é a receita dela e está
condenando a empresa a viver o que ela está vivendo.”
Pois é… Se
a questão é terrorismo, Campos pode se preparar: os petistas começarão a
acusá-lo hoje mesmo de querer elevar o preço dos combustíveis. A
política começa a entrar naquele momento em que calar, às vezes, pode
ser tão importante como falar.
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