Em sua coluna de hoje no GLOBO, o
economista Paulo Guedes dá as boas-vindas a FHC na luta pela boa causa,
por uma reforma política que reduza a necessidade de uso de práticas
eleitorais e partidárias esquisitas e suspeitas. Fala com base na coluna de domingo de FHC, publicada no mesmo jornal, em que o ex-presidente diz:
Escrevo
porque os escândalos que vêm aparecendo numa onda crescente são sintomas
de algo mais grave: é o próprio sistema político atual que está em
causa, notadamente suas práticas eleitorais e partidárias. Nenhum
governo pode funcionar na normalidade quando atado a um sistema político
que permitiu a criação de mais de 30 partidos, dos quais 20 e poucos
com assento no Congresso. A criação, pelo governo atual, de 39
ministérios para atender as demandas dos partidos é prova disso e, ao
mesmo tempo, é garantia de insucesso administrativo e da conivência com
práticas de corrupção, apesar da resistência a essas práticas por alguns
membros do governo.
[...]
Se, no
passado, nosso sistema de governo foi chamado de “presidencialismo de
coalizão”, agora ele é apenas um “presidencialismo de cooptação”. Eu
nunca entendi a razão pela qual o governo Lula fez questão de formar uma
maioria tão grande e pagou o preço do mensalão. Ou melhor, posso
entendê-la: é porque o PT tem vocação de hegemonia. Não vê a política
como um jogo de diversidade no qual as maiorias se compõem para fins
específicos, mas sem a pretensão de absorver a vida política nacional
sob um comando centralizado.
FHC toca em alguns pontos importantes,
mas ainda ignora o essencial, apontado por Paulo Guedes. O PSDB e o PT
“se revezam no poder há cinco eleições presidenciais, com alianças que
consideram oportunistas, retrógradas e, conforme acusações recíprocas,
visceralmente corruptas”. Por que é assim? Para Guedes, a resposta está
no Princípio de Gause: “Esta foi sempre uma guerra de extermínio entre
espécies semelhantes – tucanos e petistas – pelo domínio de um nicho
ecológico: a hegemonia social-democrata”.
A escalada de gastos públicos estaria no
epicentro dos problemas. O prêmio pela vitória nas urnas seria cada vez
maior, para controlar 40% do PIB, e para tanto cada um estaria disposto a
se unir às “criaturas do pântano”, os políticos fisiológicos e os
grupos econômicos oportunistas. “A hipertrofia e o aparelhamento da
máquina do Estado são monumentos a essas perversas alianças”, diz
Guedes.
Alfinetando o “rei-sol da sociologia
nativa”, Guedes não só lembra das práticas não republicanas de seus
partidários quando da emenda constitucional que lhe permitiu a
reeleição, como insinua a lentidão de FHC para constatar o ponto a que
chegamos graças a essa hipertrofia estatal, mesmo com seu “saber da
Sorbonne”.
Para jogar a pá de cal definitiva sobre
nossos representantes da social-democracia, Paulo Guedes usa Marx:
“Enormes somas passando pelas mãos do Estado”: essa seria a razão pela
qual o Brasil tem sido condenado “à mais longa sequência de bilionários
escândalos políticos da História”. E nem o PT, nem o PSDB, atacaram a
raiz do problema.
Paulo Guedes está certo no essencial: o
maior problema é mesmo essa hegemonia social-democrata que tem produzido
essa hipertrofia estatal. Falta uma alternativa liberal na política
nacional. Mas creio que esteja equivocado nos detalhes, e o diabo está
nos detalhes.
Tucanos e petistas podem até ser
classificados como bichos de espécies semelhantes quando se trata de
ideologia, mas há tantas diferenças que talvez seja mais correto
separá-los em grupos bem distintos. Até mesmo dentro de uma só espécie
pode haver diferenças gritantes. Tanto o cachorro como o chacal são da
espécie de mamíferos canídeos, e que diferença! O mesmo vale para PT e
PSDB.
A começar pelo viés autoritário. O PSDB
não enaltece a ditadura cubana, a mais longa e assassina do continente,
nem fica babando ovo do decrépito ditador Fidel Castro ou de seu irmão.
Tampouco os tucanos fazem parte do Foro de São Paulo ao lado do que há
de pior do ponto de vista ideológico. Não afirma que as FARC são um
grupo legítimo, e não terrorista. Não tem nos criminosos do MST um braço
armado no campo. Não controla os sindicatos como faz o PT (ou sempre
fez). Não adota o bolivarianismo como ideal a ser atingido. Não é e não
seria conivente com Maduro, e não destruiria o Mercosul por puro ranço
ideológico.
O PSDB também não conta com um aparato
trotskista disposto a controlar a imprensa, e FHC nunca tratou a mídia
como um “partido de oposição”, como disse Lula recentemente, de forma
bastante golpista. Aliás, basta comparar a postura de ex-presidente de
FHC com a de Lula, e fica visível o abismo intransponível que os separa
no que diz respeito às práticas republicanas. E olha que sou bem crítico
a FHC!
Nem preciso entrar no mérito do quadro
técnico, da competência de seus economistas, pois comparar Gustavo
Franco e Armínio Fraga com Guido Mantega e Arno Augustin é muita
covardia, e eu ainda poderia citar outros dez de cada lado, sempre com o
mesmo resultado desigual. Não dá nem para o começo.
Poderíamos falar ainda do mensalão,
tentativa de golpe a nossa democracia, ou do aparelhamento da máquina
estatal feito pelo PT, que nunca foi feito pelo PSDB, ao menos não na
mesma magnitude, pois o partido optava por um quadro técnico na maioria
dos casos. Nem o STF ficou livre das garras petistas.
Em suma, se Paulo Guedes acerta ao
identificar o problema essencial, qual seja, a hegemonia
social-democrata e a ausência de uma reforma política liberal que reduza
o escopo do Estado, ele erra, a meu ver, ao jogar tucanos e petistas no
mesmo saco podre sem fazer a devida distinção. Alguém seria indiferente
entre ter um cão de estimação ou um chacal dentro de casa?
O PT é social-democrata apenas nas
aparências, pois uma grande ala do partido até hoje flerta com o velho
socialismo. E essa ala tem enorme peso interno. Considero, portanto, um
erro tratar ambos como se fossem iguais ou mesmo semelhantes. Seria como
não enxergar diferenças importantes entre Peru e Argentina, ou entre
Colômbia e Venezuela. Os tucanos não são liberais, mas também não são
bolivarianos, e isso faz toda a diferença do mundo!
Rodrigo Constantino
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