segunda-feira, 5 de maio de 2014

Paulo Guedes a FHC: bem-vindo à boa causa, presidente!




Em sua coluna de hoje no GLOBO, o economista Paulo Guedes dá as boas-vindas a FHC na luta pela boa causa, por uma reforma política que reduza a necessidade de uso de práticas eleitorais e partidárias esquisitas e suspeitas. Fala com base na coluna de domingo de FHC, publicada no mesmo jornal, em que o ex-presidente diz:

Escrevo porque os escândalos que vêm aparecendo numa onda crescente são sintomas de algo mais grave: é o próprio sistema político atual que está em causa, notadamente suas práticas eleitorais e partidárias. Nenhum governo pode funcionar na normalidade quando atado a um sistema político que permitiu a criação de mais de 30 partidos, dos quais 20 e poucos com assento no Congresso. A criação, pelo governo atual, de 39 ministérios para atender as demandas dos partidos é prova disso e, ao mesmo tempo, é garantia de insucesso administrativo e da conivência com práticas de corrupção, apesar da resistência a essas práticas por alguns membros do governo.
[...]
Se, no passado, nosso sistema de governo foi chamado de “presidencialismo de coalizão”, agora ele é apenas um “presidencialismo de cooptação”. Eu nunca entendi a razão pela qual o governo Lula fez questão de formar uma maioria tão grande e pagou o preço do mensalão. Ou melhor, posso entendê-la: é porque o PT tem vocação de hegemonia. Não vê a política como um jogo de diversidade no qual as maiorias se compõem para fins específicos, mas sem a pretensão de absorver a vida política nacional sob um comando centralizado.


FHC toca em alguns pontos importantes, mas ainda ignora o essencial, apontado por Paulo Guedes. O PSDB e o PT “se revezam no poder há cinco eleições presidenciais, com alianças que consideram oportunistas, retrógradas e, conforme acusações recíprocas, visceralmente corruptas”. Por que é assim? Para Guedes, a resposta está no Princípio de Gause: “Esta foi sempre uma guerra de extermínio entre espécies semelhantes – tucanos e petistas – pelo domínio de um nicho ecológico: a hegemonia social-democrata”.

A escalada de gastos públicos estaria no epicentro dos problemas. O prêmio pela vitória nas urnas seria cada vez maior, para controlar 40% do PIB, e para tanto cada um estaria disposto a se unir às “criaturas do pântano”, os políticos fisiológicos e os grupos econômicos oportunistas. “A hipertrofia e o aparelhamento da máquina do Estado são monumentos a essas perversas alianças”, diz Guedes.
Alfinetando o “rei-sol da sociologia nativa”, Guedes não só lembra das práticas não republicanas de seus partidários quando da emenda constitucional que lhe permitiu a reeleição, como insinua a lentidão de FHC para constatar o ponto a que chegamos graças a essa hipertrofia estatal, mesmo com seu “saber da Sorbonne”.

Para jogar a pá de cal definitiva sobre nossos representantes da social-democracia, Paulo Guedes usa Marx: “Enormes somas passando pelas mãos do Estado”: essa seria a razão pela qual o Brasil tem sido condenado “à mais longa sequência de bilionários escândalos políticos da História”. E nem o PT, nem o PSDB, atacaram a raiz do problema.

Paulo Guedes está certo no essencial: o maior problema é mesmo essa hegemonia social-democrata que tem produzido essa hipertrofia estatal. Falta uma alternativa liberal na política nacional. Mas creio que esteja equivocado nos detalhes, e o diabo está nos detalhes.

Tucanos e petistas podem até ser classificados como bichos de espécies semelhantes quando se trata de ideologia, mas há tantas diferenças que talvez seja mais correto separá-los em grupos bem distintos. Até mesmo dentro de uma só espécie pode haver diferenças gritantes. Tanto o cachorro como o chacal são da espécie de mamíferos canídeos, e que diferença! O mesmo vale para PT e PSDB.

A começar pelo viés autoritário. O PSDB não enaltece a ditadura cubana, a mais longa e assassina do continente, nem fica babando ovo do decrépito ditador Fidel Castro ou de seu irmão. Tampouco os tucanos fazem parte do Foro de São Paulo ao lado do que há de pior do ponto de vista ideológico. Não afirma que as FARC são um grupo legítimo, e não terrorista. Não tem nos criminosos do MST um braço armado no campo. Não controla os sindicatos como faz o PT (ou sempre fez). Não adota o bolivarianismo como ideal a ser atingido. Não é e não seria conivente com Maduro, e não destruiria o Mercosul por puro ranço ideológico.

O PSDB também não conta com um aparato trotskista disposto a controlar a imprensa, e FHC nunca tratou a mídia como um “partido de oposição”, como disse Lula recentemente, de forma bastante golpista. Aliás, basta comparar a postura de ex-presidente de FHC com a de Lula, e fica visível o abismo intransponível que os separa no que diz respeito às práticas republicanas. E olha que sou bem crítico a FHC!

Nem preciso entrar no mérito do quadro técnico, da competência de seus economistas, pois comparar Gustavo Franco e Armínio Fraga com Guido Mantega e Arno Augustin é muita covardia, e eu ainda poderia citar outros dez de cada lado, sempre com o mesmo resultado desigual. Não dá nem para o começo.

Poderíamos falar ainda do mensalão, tentativa de golpe a nossa democracia, ou do aparelhamento da máquina estatal feito pelo PT, que nunca foi feito pelo PSDB, ao menos não na mesma magnitude, pois o partido optava por um quadro técnico na maioria dos casos. Nem o STF ficou livre das garras petistas.

Em suma, se Paulo Guedes acerta ao identificar o problema essencial, qual seja, a hegemonia social-democrata e a ausência de uma reforma política liberal que reduza o escopo do Estado, ele erra, a meu ver, ao jogar tucanos e petistas no mesmo saco podre sem fazer a devida distinção. Alguém seria indiferente entre ter um cão de estimação ou um chacal dentro de casa?


O PT é social-democrata apenas nas aparências, pois uma grande ala do partido até hoje flerta com o velho socialismo. E essa ala tem enorme peso interno. Considero, portanto, um erro tratar ambos como se fossem iguais ou mesmo semelhantes. Seria como não enxergar diferenças importantes entre Peru e Argentina, ou entre Colômbia e Venezuela. Os tucanos não são liberais, mas também não são bolivarianos, e isso faz toda a diferença do mundo!


Rodrigo Constantino

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