Há um
consentimento criminoso por parte de autoridades e
imprensa quanto às repetitivas invasões de propriedade,
fenômeno habitual no meio rural que agora se espalha
como uma praga por nossas grandes cidades.
Se houvesse honestidade
intelectual no debate que se estabelece em torno do
tema, jornalistas engajados e operadores do direito
admitiriam que se trata de prática sem qualquer
justificativa aceitável.
Há basicamente dois
argumentos possíveis para "justificar" as invasões de
propriedade.
O primeiro argumento é
aquele de natureza jurídica: pessoas invadem determinado
imóvel porque este deixou de cumprir sua "função social"
prevista em lei e a autoridade responsável pela
desapropriação falha em garantir que sua destinação seja
cumprida.
O segundo
argumento é de natureza vagamente moral ou humanitária,
segundo o qual não seria justo que, diante de tantos
imóveis desocupados ou abandonados, famílias inteiras
continuem sem ter onde morar.
Nenhum
deles se sustenta 30 segundos diante de uma análise
isenta de fixações ideológicas.
Em relação
ao primeiro argumento, a falta eventual do cumprimento
de determinada imposição prevista em lei não confere a
nenhuma pessoa ou grupo de pessoas o poder de julgar,
condenar e punir quem quer que seja segundo sua própria
conveniência ou oportunidade.
A vida em sociedade prevê
que, para fazer cumprir a lei, a própria sociedade
estabelece limites e prerrogativas, e são os agentes do
sistema judiciário os responsáveis por fazer funcionar
seus mecanismos, sob pena de que prevaleça a "justiça
pelas próprias mãos" – o que vem a ser exatamente o que
pretendem os militantes de extrema esquerda
especializados em invasões de propriedade.
Assim sendo,
se não é admissível que um credor de precatório invada
uma repartição pública e recolha seus computadores até o
limite da dívida estatal sempre que o Estado demorar em
honrar seu pagamento, ou que uma vítima de roubo saia
caçando o assaltante e, depois de apanhá-lo, encarcere-o
em sua própria casa, também não é que alguém
supostamente lesado pela falha do poder público em
garantir a "função social" de alguma propriedade saia
por aí arrombando fechaduras.
Em relação
ao segundo argumento, basta perceber que a primeira
medida determinada por grupos de invasores de
propriedade sempre que tomam o poder de um imóvel que
não lhes pertence (seja uma fazenda, um prédio ou um
terreno) é restringir a entrada de estranhos ou
eventuais novos invasores que, por acaso, não pertençam
ao grupo inicial (ou ao "movimento social" líder da
invasão). Ou seja: se valesse de fato o argumento
humanitário, não seria razoável aceitar que os primeiros
invasores têm algum tipo de prevalência em relação aos
invasores seguintes, pois quem pode determinar que a
necessidade humana dos primeiros de ter um lugar para
morar é maior que a dos últimos?
A verdade é que o
direito à propriedade (que é usurpado e questionado a
respeito de sua legitimidade no momento em que ocorre a
invasão) volta a valer magicamente assim que uma nova
"titularidade" é estabelecida (após a invasão, passam a
ser os líderes da invasão os novos "donos" do imóvel,
decidindo então quem pode entrar ou não, como autênticos
"proprietários").
A "boa intenção" dos invasores só
seria comprovada de alguma maneira se os mesmos
permitissem, após a invasão, que qualquer pessoa com
alguma necessidade entrasse quando quisesse na
propriedade invadida, sem limites ou seleções segundo
"critérios" de natureza política, sindical, ideológica,
de relações pessoais, etc.
O mais preocupante em
relação ao fenômeno das invasões é que a História mostra
que, depois de roubar do cidadão seu direito de dizer o
que pensa (a ideologia politicamente correta já o faz
habitualmente no Brasil) e de tomar seu direito à
propriedade, resta apenas impedir que cada um vá e venha
segundo sua conveniência e, finalmente, que tenha
direito à vida – este é o reconhecido processo pelo qual
uma democracia transforma-se numa tirania, e parece que
nossa sociedade encontra-se em movimento, sabe-se lá em
qual direção.
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