segunda-feira, 5 de maio de 2014

Em dez anos, Brasil perde um terço de seus orelhões


05/05/2014 15h11


País tem 4 aparelhos para cada mil pessoas; plano pode reduzir a 1 por mil.


Especialistas criticam intenção e reclamam de aparelhos sem manutenção.



Helton Simões Gomes e Thiago Reis Do G1, em São Paulo



Todos os dias, 120 orelhões, em média, desaparecem das ruas do país. Levantamento feito pelo G1 com base nos dados da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) mostra que em dez anos o Brasil perdeu um terço dos aparelhos. Eram 1,3 milhão em 2004. Hoje, existem 875 mil.

Isso significa que há 4,3 orelhões para cada mil habitantes, perto do mínimo exigido pelo último plano geral de metas para universalização (4 a cada mil), em vigor desde 2011 e válido até 2015.

O número de orelhões, no entanto, deve despencar ainda mais. Isso porque há uma pressão das teles para que a meta do próximo plano para o período 2016-2020 seja de apenas um aparelho para cada mil habitantes no país.


Orelhão pichado e fora de funcionamento na Vila Mariana, em São Paulo (Foto: Thiago Reis/G1) 
Orelhão pichado e fora de funcionamento na Vila
Mariana, em São Paulo 


O plano de universalização é um conjunto de obrigações a que estão sujeitas as concessionárias do serviço de telefonia fixa prestado em regime público, que têm como objetivo dar a qualquer pessoa acesso ao serviço de telecomunicações, independentemente da localização e da condição socioeconômica.

O edital do novo plano deve ser colocado em consulta pública no final de junho, de acordo com a Anatel. A agência diz que a quantidade (e a densidade) de orelhões, entretanto, ainda está em estudo.
Entidades de defesa do consumidor criticam a intenção de se reduzir os aparelhos. 

“Os orelhões são essenciais, principalmente para a camada da população que pouco acesso tem à telefonia fixa. O problema é que, como estão em péssimo estado, essa parcela acaba contratando planos de telefonia pré-paga, que são muito mais caros, para poder se comunicar”, afirma a coordenadora institucional do Proteste, Maria Inês Dolci.

 “O intrigante é que os orelhões foram pensados para trazer qualidade para o serviço público. Ao reduzir o número de aparelhos, essa responsabilidade das empresas, que deviam estar cuidando, mantendo-os ativos e repondo os quebrados, é retirada.”


Orelhões - arte (Foto: Arte/G1)


O ex-ministro das Comunicações e consultor da empresa de consultoria de comunicações Órion, Juarez Quadros, também considera a possibilidade de redução de um a cada mil “ousada demais”. 


“Que haja alguma redução, mas não nesse nível, que eu acho muito acentuada”, diz. “Em certos momentos, trata-se de um serviço que ainda supre uma necessidade. Na hora em que a pessoa quer falar e não tem crédito acaba recorrendo a um orelhão. Uma pessoa que teve o celular roubado, o que é muito comum de acontecer, se não tiver algum conhecido próximo, também acaba correndo para um orelhão. E, às vezes, não vai encontrar, ou quando encontra ele está com defeito.”


De acordo com dados atualizados da própria Anatel, cerca de 15% dos orelhões estão em manutenção e, portanto, fora de funcionamento.


Segundo Maria Inês, “as empresas têm o dever de cuidar do patrimônio e não têm feito isso”. Quadros concorda e diz que o alto custo é um dos motivos para a pressão pela redução. “O orelhão tem um ônus de manutenção muito alto em função do vandalismo. As empresas têm que fazer uma manutenção adequada em grande parte dos terminais. Isso faz com que haja uma despesa acentuada e a relação custo-benefício não é propícia para manter a planta instalada nas vias públicas”, afirma.


Para o analista da consultoria Teleco Eduardo Tude, os custos da manutenção se somam ao magro faturamento obtido com a baixa utilização dos orelhões. “A receita líquida mensal de um orelhão, que há uns três anos estava na faixa de R$ 40, R$ 50, hoje caiu para R$ 4. Passou a ser um décimo do que era antes. Isso tornou o orelhão altamente deficitário.”


Para o novo plano que está em discussão, uma das propostas da área técnica da Anatel é que a redução na planta não seja linear em todo o país, como ocorreu nas revisões de 2003, 2006 e 2011. Locais em que o uso dos orelhões é maior, por exemplo, poderão perder menos aparelhos, enquanto as localidades com baixo uso, onde normalmente há uma oferta maior de operadoras de telefonia móvel, deverão sofrer uma diminuição mais acentuada.


A coordenadora institucional do Proteste diz que o ideal é que áreas com urbanização mais precária tenham pelo menos sete telefones públicos para cada mil pessoas e próximos um do outro. “A telefonia fixa, no geral, foi negligenciada. Não há interesse das empresas em manter os serviços, que não são lucrativos.”


A área técnica da Anatel também deve propor no próximo plano geral de metas que, como contrapartida à redução dos orelhões, as empresas reduzam a tarifa básica do telefone fixo.


Orelhão depredado e sem linha em bairro nobre de SP (Foto: Thiago Reis/G1)Orelhão depredado e sem linha em bairro nobre de SP
Desinteresse x desserviço

 


A agência diz que 50% dos orelhões no Brasil hoje realizam apenas duas chamadas por dia. “Como resultado de avanços tecnológicos, como o surgimento da internet, da maciça utilização dos celulares e de novas necessidades de comunicação da população, os orelhões têm apresentando, há alguns anos, declínio em sua utilização – situação semelhante à registrada em outros países”, afirma a Anatel.


Se você vai a um orelhão duas, três vezes e vê que não funciona, você não volta"
Maria Inês Dolci, coordenadora institucional da Proteste

Para Maria Inês, a queda das chamadas não é resultado de um mero desinteresse dos consumidores. “Parte disso é possível atribuir à falta de manutenção dos aparelhos. Se eles estão obsoletos, é porque não trocaram. Se não estão adequados, é porque não houve investimento”, diz. “Se você vai a um orelhão duas, três vezes e vê que não funciona, você não volta. E o problema é que não há fiscalização.”


O ex-ministro das Comunicações também acredita que o sucateamento de parte dos aparelhos é decorrente de uma omissão por parte da autarquia federal. “Eu entendo que a Anatel está falhando na obrigação de fiscalizar, porque os telefones que estão mantidos na planta deviam estar em funcionamento. Eu sei que há indicadores para isso, prazos para recuperação, mas aí o que se nota é que falta fiscalização.”


Em nota, a Anatel rebate as críticas e afirma que acompanha e fiscaliza de perto o funcionamento dos terminais. A agência diz que conduziu, entre 2011 e 2012, o Plano Pró-Melhoria da Telefonia de Uso Público, que definiu a garantia de manutenção de ao menos 90% da planta ativa em cada unidade da federação.


“Nos estados em que os patamares mínimos de disponibilidade pactuados não foram alcançados, no prazo estipulado, foi definida compensação aos usuários com condição de gratuidade no uso dos orelhões”, afirma a agência.


A gente chegou a fazer 50 mil por mês em três turnos de trabalho. Trabalhávamos 24 horas, já que as empresas precisavam cumprir as metas. Hoje, elas ficam sem pedir por muito tempo. No ano passado, a gente deve ter produzido 30 mil. Já passamos de seis a oito meses sem produzir nenhum orelhão"
Francisco Matulovic, gerente de projetos especiais da Icatel

Segundo a Anatel, em função do plano, “puderam ser observadas mudanças organizacionais e operacionais por parte da concessionária na administração da planta”. “A introdução do acompanhamento da disponibilidade da planta com criação e aperfeiçoamento de instrumentos que proporcionassem seu monitoramento, a adoção de procedimento de vistoria periódica proativa e mais abrangente, melhor gestão dada à logística de sobressalentes e ao deslocamento das equipes e tratativas com uma visão mais crítica dos processos e do tratamento das falhas possibilitaram um ganho na eficiência operacional. A melhora dos índices de disponibilidade da planta refletiu na queda no número de reclamações de reparo”, informa.


Procuradas, Oi e Telefonica-Vivo, responsáveis pela maioria dos orelhões do país, dizem que fazem um acompanhamento dos aparelhos e que realizam reparos assim que são solicitadas.


Celulares

Enquanto o número de orelhões não para de despencar no país, dispara o de celulares. O número de linhas móveis passou de 65 milhões, em 2004, para 272 milhões hoje – mais de uma para cada habitante.



“Nos anos de 2002 e 2003, a Icatel chegou a ser a maior fabricante de orelhões do mundo. A gente chegou a fazer 50 mil por mês em três turnos de trabalho. Trabalhávamos 24 horas, já que as empresas precisavam cumprir as metas. Hoje, elas ficam sem pedir por muito tempo. No ano passado, a gente deve ter produzido 30 mil. Já passamos de seis a oito meses sem produzir nenhum orelhão”, afirma o gerente de projetos especiais da fabricante de orelhões Icatel, Francisco Matulovic.



DF registra a maior redução no número de orelhões do país

Queda é de 48% (de 22.646 para 11.687 unidades em 10 anos), diz Anatel.


Moradores relatam dificuldades para encontrar aparelho nas ruas.



Lucas Nanini Do G1 DF




Homem fala ao celular ao lado de orelhão, em Brasília (Foto: Lucas Nanini/G1)Homem fala ao celular ao lado de orelhão em frente à sede da Anatel, em Brasília
 

O Distrito Federal teve uma redução de 48% no número de orelhões nos últimos dez anos, o maior percentual do país, segundo a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). A quantidade de aparelhos caiu de 22.646 unidades, em 2004, para 11.687 hoje.

 

A redução no DF é superior à média nacional. Levantamento do G1 com base nos dados da Anatel mostra que o país perdeu um terço dos aparelhos em uma década. Eram 1,3 milhão em 2004. Hoje, existem 850 mil.

Goiás aparece em segundo lugar entre as unidades da federação com maior redução no número de orelhões, com 45% de queda – de 51.239 para 27.984 aparelhos. Em terceiro lugar está o Rio de Janeiro, com 42% de diminuição – de 124.064 para 72.099.

Apenas duas unidades da federação tiveram queda abaixo dos 10%. Em Roraima, o número de orelhões foi reduzido de 2.711 para 2.620. Os aparelhos em Rondônia caíram de 7.750 para 7.114.

Em proporção ao número de habitantes, o DF tem 4,1 orelhões para cada grupo de mil moradores, 14º índice do país. A média nacional é de 4,3 aparelhos para cada mil habitantes. 

A unidade com mais aparelhos em relação à população é Roraima, com 5,3 orelhões para cada mil habitantes. O Amazonas tem o pior índice do país: 3,97 aparelhos para cada mil habitantes.

Orelhão sem manutenção em Taguatinga, no Distrito Federal (Foto: Lucas Nanini/G1)Orelhão sem manutenção em Taguatinga, no Distrito Federal
Segundo a Anatel, 413 orelhões encontram-se em manutenção no DF. Em frente à própria agência, um dos aparelhos voltou a funcionar recentemente, segundo um comerciante da região. “Ficou uns quatro meses sem funcionar. Eu até achava que ainda não estava funcionando”, conta.

A Anatel afirma que o número de orelhões diminui à medida em que os aparelhos são menos utilizados. De acordo com a agência, metade dos equipamentos realiza duas chamadas por dia. O avanço da tecnologia, o crescimento no número de usuários de telefones celulares e de internet e novas necessidades de comunicação têm contribuído para o declínio na utilização dos orelhões, diz o órgão.

Eu tinha que buscar uma pessoa que vinha de São Paulo e eu estava sem o celular. Eu precisava falar com ela e não tinha orelhão, que é um bem público e devia ser obrigatório"
Luiz Fernando Macedo Bessa, professor
Apesar da menor procura, os usuários ainda precisam recorrer aos telefones públicos. O motorista Kleber Alexandre Barros de Sousa, de Samambaia, diz que deixou de informar a mulher sobre um serviço bancário porque não encontrou orelhão por perto.

“O celular dela tinha dado problema, e eu deixei o meu com ela. Eu disse que iria ligar depois de passar no banco, na 504 Norte. Só que não tinha nenhum orelhão. Perguntei e me disseram que só tinha um duas quadras depois. Eu pensei ‘não vou andar isso tudo’. Deixei que ela [a mulher] pensasse que eu resolvi”, afirma.

O professor Luiz Fernando Macedo Bessa também precisou de um telefone público, mas não encontrou um aparelho quando estava em um shopping da capital. “Eu tinha que buscar uma pessoa que vinha de São Paulo e eu estava sem o celular. Eu precisava falar com ela e não tinha orelhão, que é um bem público e devia ser obrigatório”, diz.

Segundo Bessa, a administração do centro de compras ofereceu um telefone fixo para ele fazer a ligação. “Só se fala com celular [no shopping]. Eu acho uma coisa elitista, um pouco segregado.”

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