segunda-feira, 5 de maio de 2014

Doleiro e deputado: Tramaram contra licitação


Conversas gravadas pela Polícia Federal mostram que Alberto Youssef e Luiz Argôlo, do Solidariedade, tentaram excluir duas empresas de uma concorrência na Bahia, estado do parlamentar.


Argôlo, o deputado: diálogos revelam planos com o doleiro envolvendo licitação, e trazem referência a vinho de R$ 3 mil.
 
Novos diálogos entre o doleiro Alberto Youssef e o interlocutor identificado na Operação Lava Jato apenas como LA, que para a Polícia Federal é o deputado Luiz Argôlo (SDD-BA), revelam uma trama da dupla com objetivo de evitar que duas empresas participem de uma licitação. Durante a troca de mensagens, o parlamentar chega a escrever palavrões quando descobre que uma das companhias furou o plano. “Filhos da…O cara entrou. Com uma.” Numa das interceptações, registrada no dia 17 de outubro de 2013, o deputado é taxativo. “Rapaz, vc tem que falar com a pessoa (Sic). Ele tem q tirar duas empresas do processo que será amanhã cedo. Se elas participarem, o convênio não será publicado”, avisa...
 
Ao ser informado pelo doleiro que “elas têm convênio com ele em Fortaleza”, o deputado justifica o pedido inicial. “Fale mesmo. Se não o pessoal do outro lado trava.” Nos diálogos, não fica claro onde a concorrência seria realizada e também quem é “ele”. Apuração do Correio indica que a licitação ocorreu na Bahia, estado do parlamentar. No dia 18 de outubro, às 8h09, Argôlo encaminha nova mensagem para Youssef. “Os nomes das empresas são: Eletronor e Cosampa”, avisa. Um minuto depois, encaminha outro torpedo para avisar a Youssef que o monitoramento está sendo feito e o plano vai bem. “O pessoal já monitorou e sabe que tem relação com ele. Se elas derem preço, o pessoal cancela o outro. Resolvi isso com ele.”
 
Em outra conversa, registrada no dia 21 de outubro, Argôlo avisa ao doleiro que está sem dormir e pede que Youssef cheque o contrato. “Quero que você veja logo com o rapaz do contrato. Você não sabe o quanto de compromisso”, alerta. Ao ser questionado pelo doleiro o motivo pelo qual não consegue dormir, o parlamentar responde que “O Roberto não deu mais nada, tô quase correndo nu na rua”. No relatório da Operação Lava-Jato, a Polícia Federal não identifica quem é Roberto.
 
Youssef, o doleiro, é acusado de liderar esquema de lavagem de dinheiro a partir de laboratório de fachada.
 
Em todos os diálogos interceptados, fica clara a intimidade entre a dupla. As cobranças e pedidos do parlamentar sugerem que os dois são sócios em alguns negócios. Às 20h13 do dia 21 de outubro, o político baiano dá satisfação a Youssef sobre o andamento das negociações. “Rapaz, tô sentado aqui. O pessoal quer publicar se o pessoal desistir. Fale com ele. O pessoal tá fazendo a instalação do material dele lá no Ceará”. O doleiro responde em seguida. “Quem contratou não foi ele e sim a Secretaria de Estado do Ceará. Não ele”. O deputado implora ao doleiro. “Ele tem relação o a empresa (Sic). Faça um apelo a ele. Por favor”. Youssef responde que já fez.
 
Vinho

No dia 14 de outubro, Argôlo e Youssef trocam mensagens sobre um vinho de três mil que tinham tomado na noite anterior. “Foi bom o vinho. Valeu a pena”, escreve Youssef. O deputado pergunta o nome da bebida e o doleiro informa o valor. “Vega Cicilia (Sic). 3 pila. KKK”, responde. Trata-se de uma reserva de 1986 do tinto espanhol Vega Sicilia. “KKK mesmo. Vou voltar para tomar o resto”, diz Argôlo. Mensagens revelam que o encontro ocorreu provavelmente na casa do doleiro. “Veja logo o assunto do pessoal para eu poder levar hoje. Não é melhor ir para sua casa não?”, pergunta o deputado. Youssef responde afirmativamente. “Sim. Já vamos assim que você chegar.”
 
Na sexta-feira, o Correio tentou entrar em contato com Luiz Argôlo. A assessoria de imprensa alegou que ele estava no interior da Bahia em atividades políticas e, por isso, não havia como responder aos questionamentos do jornal. A assessoria não quis confirmar se o parlamentar reconhece ser o LA registrado nos diálogos da PF. Para a investigação, não há dúvida. Em uma das mensagens encaminhadas ao doleiro, LA informa o endereço. “302 N, Bloco H, Ap 603”. O bloco H da quadra 302 Norte é um prédio funcional da Câmara dos Deputados. No apartamento 603, mora justamente o deputado Luiz Argôlo. O Correio telefonou para as empresas Eletronor e Cosampa, citadas nas mensagens da dupla, mas não conseguiu resposta. 
 
Alberto Youssef, preso na Operação Lava-Jato, é apontado como líder de um esquema de lavagem de dinheiro e evasão de divisas que teria movimentado R$ 10 bilhões. A organização utilizava empresas de fachada, a exemplo do laboratório Labogen, para fazer remessas ao exterior.
 
Troca de mensagens
 
Confira os novos diálogos
 
O vinho de 3 mil reais

14/10/2013
 
LA - Veja logo o assunto do pessoal pra eu poder levar hoje.
Youssef - Estou vendo. 
LA - Não é melhor ir pra sua casa não?
Yousseff - Sim. Já vamos assim que você chegar.
LA - Ok.
Youssef - Vamos construindo.
LA - Viajo cedo.
Youssef - Se você precisa ir cedo vá que mando o velho la denoite (SIC)
Youssef - Foi bom o vinho. Valeu a pena.
LA - Foi. Qual foi ele?
Youssef - Vega Cicilia (Sic). 3 pila. KKK.
LA - kkk mesmo. Vou voltar para tomar o resto.
Youssef - Sim. 
LA - kkk.
Youssef - Ele ficou satisfeito.
LA - Foi do caralho. Uma relação duradoura, séria e madura.
 
A jogada para tirar concorrentes da licitação
17/10/2013
 
LA - Tá acordado?
Youssef - Estou sim.
LA - Rapaz, vc tem que falar com a pessoa. Ele tem q tirar duas empresas do processo que será amanhã cedo. Se elas participarem, o convênio não será publicado.
LA - IMPORTANTE
Youssef - Tem certeza que é dele essas empresas?
LA - Elas têm convênio com ele em Fortaleza
Youssef - Vou ligar e falar com ele. 
LA - Fale mesmo. Se n o pessoal do outro lado trava.
Youssef – P... eh f... Vou falar sim.
LA - Vai falar ainda? N esquece n será amanhã cedo. São duas do Ceará
Youssef - Já liguei esta fora de área. Vou falar cedinho. Entendido
LA - Fica em cima
Youssef - Sim
 
A revolta

18/10/2013
 
LA - O pessoal estão (SIC) aqui no meu escritório. O V fez um acordo pra o nosso rodar. Vc tem q me confirmar. 
LA - Os nomes das empresas são: Eletronor e Cosampa. O pessoal já monitorou e sabe que tem relação com ele, se elas derem preço, o pessoal cancela o outro. Resolvi isso com ele.
Youssef - Ok
LA- Viu os nomes das empresas?
Youssef - Vi. Já estou falando. Oi. A empresa tá aqui falando que não tem relação nenhuma com esses nomes. Falando direto com o diretor. Agora, tentando falar com o irmão do mn para saber. Tá fora de área.
LA - Eles prestam serviço em Fortaleza. Meu comprovante. 
Youssef - Estou no médico. Já falo com você. 
LA - Filhos das putas. O cara entrou. Com uma.
Youssef - Ele deixou claro que nao eh relacionamento dele. Ele falou com a Cosampa
LA - Só essa foi a que entrou. Foi o contrário. Tá vendo.
Youssef - Vou falar com esse filho da p...
 
O desespero

21/10/2013
 
LA - Kd vcccccccccccc??????
Youssef - Estou aqui. Pode me ligar. 
LA - Naaaaaaao aguento mais.
Youssef - Somos 2. Me liga
LA - Já. Rapaz, tô sentado aqui o pessoal q publicar se o pessoal desistir. A instalação veio uma empresa do Ceará q eh ligada a ele.
Youssef - Ele disse que não eh.
LA - Fale com ele. O pessoal tá fazendo a instalação dele lá no Ceará.
Youssef - Quem contratou não foi ele e sim a secretaria de estado do Ceará. Não ele.
LA - Ele tem relação o a empresa. Faça um apelo a ele. Por favor.
Youssef - Já fiz. Ele disse que vem falar comigo na quarta-feira.
LA - Veja isso mesmo para não atrapalhar a nossa vida.
Youssef - Ok.
 
Dupla tem uma relação estreita

O relacionamento estreito entre o deputado federal Luiz Argôlo (SDD-BA) e o doleiro Alberto Youssef ameaça inclusive a permanência do parlamentar no partido. Líder do Solidariedade, Paulo Pereira da Silva (SP), o Paulinho da Força, prefere aguardar a investigação da Corregedoria da Câmara dos Deputados para decidir se toma alguma medida mais drástica em relação a Argôlo. Nos bastidores, a expulsão do parlamentar da legenda é dada como certa, mas Paulinho defende que “é preciso apurar” as denúncias.
 
A explosão de revelações trazidas pela Operação Lava Jato, deflagrada pela Polícia Federal em 17 de março, desmascarou um esquema de corrupção e pagamento de propina que envolve o deputado Luiz Argôlo, identificado pelas iniciais L.A, e o doleiro. Mensagens interceptadas pela Polícia Federal às 8h33 do dia 28 de fevereiro deste ano também mostram a troca de carinho entre eles. Logo cedo, em plena sexta-feira de Carnaval , Argôlo envia um torpedo ao amigo dizendo ter “um carinho muito especial” por ele, que responde com um “idem”.
 
Em seguida, o deputado reforça que queria ter expressado o carinho no dia anterior: “mas acabei não falando: te amo”. Na sequência, o doleiro respondeu: “eu amo você também. Muitoooooooo <3”. Argôlo demonstra preocupação com saúde do doleiro, que sofreu um infarto no início do ano. E insiste: “Por favor, me diga alguma coisa”.
 
Em outra transcrição das interceptações da Polícia Federal, desta vez de setembro do ano passado, Argôlo e o doleiro conversam sobre uma “encomenda” a ser entregue no endereço do deputado, no apartamento funcional da Quadra 302 da Asa Norte. “Tem uns pagamentos para serem feitos. Posso passar?”, questiona o parlamentar diálogo revelado pela revista Veja. 
 
O doleiro responde “passa” e o deputado envia, por mensagem, os valores e as contas para que fossem feitos os depósitos bancários de R$ 13,5 mil para uma loja de decoração, em Salvador, e R$ 40 mil para uma agropecuária localizada no interior da Bahia, na cidade de Entre Rios, município de Argôlo. 
 
Em entrevistas anteriores, Argôlo havia negado envolvimento no esquema e dito que só viu Youssef uma vez em um jantar. Agora, o deputado evita comentar o assunto. O caso dele é investigado pela Corregedoria da Câmara dos Deputados a pedido do PPS. Para Rubens Bueno (PR), líder da sigla, há indícios de que o deputado baiano, que trocou recentemente o PP pelo recém-criado Solidariedade, quebrou o decoro parlamentar ao manter relações com o doleiro preso. (NT)

Fonte: JOÃO VALADARES e NAIRA TRINDADE - Correio Braziliense - 05/05/2014 
 
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