segunda-feira, 5 de maio de 2014

Criatividade é a arma contra a criminalidade no DF



 05/05/2014 às 06:57:03

Vítimas fazem placas e textos bem-humorados: mandam recado para ladrões e alertam autoridades
 
Júlia Carneiro
 
Especial para o Jornal de Brasília



Diariamente, as páginas dos jornais  trazem notícias de violência que muitas vezes acabam em tragédia. Quem passa por esse tipo de situação pode carregar o trauma pelo resto da vida.  Mas, algumas vítimas, após saírem fisicamente ilesas de uma situação violenta, escolhem usar de muito bom humor e criatividade para lidar com a experiência. 

Placas com sátiras e textos sarcásticos postados nas redes sociais  são algumas formas divertidas de mandar um recado para os criminosos sem perder a piada. É como se “rir da própria desgraça” fosse uma maneira de  encarar os fatos com leveza e, de quebra, chamar a atenção das autoridades para o problema.

A academia de Bernardo Teixeira, na CL 208 de Santa Maria, já foi roubada duas vezes neste ano, entre janeiro e   fevereiro. Depois da primeira ocorrência, o empresário decidiu colocar grades de proteção nas portas, mas isso não foi o suficiente para inibir os ladrões.
 Totalizando os dois furtos, Bernardo já perdeu uma televisão, um aparelho de som, roupas, celulares e uma pequena quantia em dinheiro. Após reforçar as grades de proteção com cadeados e instalar um sistema de monitoramento de câmera, o empresário decidiu “revidar” a atitude dos ladrões e evitar um terceiro roubo. 

Placa

“Senhor ladrão, com planos a partir de R$ 69,90 você não precisa entrar em nossa academia no meio da noite”, informa um banner, que mais parece uma jogada de marketing ao brincar com o fato de que os bandidos entram de madrugada na academia para usar os aparelhos de ginástica. O informe ainda faz uma advertência carregada de ironia: “Mas, atenção, senhores, queremos deixar claro que a prática de exercícios físicos sem o acompanhamento de um profissional pode lhes causar problemas sérios à saúde”.

Reação

Bernardo conta que a ideia partiu do funcionário responsável pela comunicação nas mídias sociais,  e que a reação dos clientes foi   positiva. “A gente sempre trabalha com uma linguagem em um tom bem de brincadeira. O pessoal gostou, viu que encaramos algo desagradável com muito bom humor”, conta ele, que também é educador físico. 

Mas Bernardo admite que,   frente a frente com os ladrões, não saberia como agir. “A gente nunca sabe, né?! Basta torcer para que melhore a segurança e que eu nunca precise descobrir como iria reagir”. 

Ganhou a confiança do bandido

O designer de interface Gustavo Tomé de Oliveira   saiu ileso de um episódio que envolveu roubo e  sequestro relâmpago. Ele lembra do caso  como algo traumático, mas se diz satisfeito por ter conseguido reverter a situação com muita calma e bom humor. “Eu estava em uma festa quando houve um tiroteio e os caras começaram a roubar o caixa da festa. No meio dessa bagunça entrei no meu carro para ir embora e um desses caras me abordou, armado.

Ele queria fugir”, conta.


Gustavo estava com um amigo, menor de idade. A primeira decisão racional e tranquila   foi   pedir para que seu amigo pudesse ir embora. Sozinho no carro com o assaltante, identificado como Ronaldo –   nome que ele nunca esquecerá –, o designer teve várias chances de tentar fugir, mas preferiu confiar em Deus e se manteve   calmo. 

“Teve uma hora que ele me mandou parar e entregar a chave. Ele foi urinar e, quando voltou, mirou a arma para mim. Eu podia tentar fugir, mas passou pela minha cabeça a ideia de que ele ia errar. Ele chegou a atirar e eu senti o vento do rastro da bala, mas saí ileso. Nessa hora eu ganhei um pouco de confiança dele, e ele devolveu a chave”, diz.

Viagem

Os dois dirigiram durante cinco horas naquela madrugada, sem rumo. “Ele colocava a arma no painel, acho que esperava para ver se eu ia pegar. Teve um momento em que ele pediu para parar em um boteco. Pediu cerveja para nós dois e foi ao banheiro com a arma na cintura. Eu até pensei em fugir, estava do lado da porta, mas achei melhor não. Ainda bem, porque ele estava me testando. Ele nem chegou a entrar no banheiro e já virou para ver se estava lá”, relata. 

Depois de muito tempo, Gustavo,   calmo, começou a conversar com o ladrão. A intenção era fazer  amizade. “Eu tinha músicas dos Racionais MCs, que estavam tocando. Ele gostou e isso nos ajudou a criar um elo. O rap também me fez entender um pouco o lado dele, por causa das letras das músicas”, acredita. 

No final das contas, por volta das 9h, o ladrão foi guiando Gustavo até um barraco, depois de um trilho de trem.   “Ele mandou eu estacionar e falou que estava liberado. Ele  foi direto para cama, colocou a arma debaixo do travesseiro e foi dormir. O tio dele, provavelmente dono da casa, veio falar comigo, pediu desculpas por qualquer coisa e ainda me ofereceu um café”, conclui. 

Hospital

Outro exemplo de criatividade é a iniciativa de um hospital localizado no Cruzeiro Velho. Para evitar as pichações na fachada do prédio, no  ano passado, o estabelecimento fixou placas  que anunciavam a promessa de doar cinco cestas básicas para instituições carentes locais, a cada mês sem pichação. Já em uma concessionária na Candângolandia, uma placa garante que, enquanto a parede permanecer limpa, a empresa ajudará uma creche necessitada da cidade. 

“Cuidado com o dono”

A ideia de brincar por meio de placas também recebeu a adesão do motorista de caminhão Flávio José de Carvalho, 42 anos. Morador da Fercal desde que nasceu, ele decidiu fazer uma placa   criativa para colocar no portão da casa. A frase “Cão tranquilo, cuidado com o dono” vem acompanhada pelo desenho de uma pistola. 

Flávio não tem arma em casa, não se considera violento e nunca foi vítima de assalto. A ideia era somente fazer algo cômico. “Foi uma forma criativa que encontrei. Pensei: ‘Vou colocar uma placa diferente’. O cara vê, acha um pouco diferente e pensa: nem vou entrar”, brinca o motorista, rindo. 


Conhecido pelos sobrinhos como “um palhaço”, Flávio confessa que apesar da vontade de sempre divertir os outros, a violência nem sempre pode ser encarada como uma piada. “Você tem que ter um pouco de humor e um pouco de seriedade. Se eu morasse em um bairro mais violento, provavelmente não poderia ter essa placa. Ela estaria cheio de buraco de balas”, imagina. 

Fonte: Da redação do Jornal de Brasília


Nenhum comentário: