terça-feira, 3 de junho de 2014

Internet (ainda) é vista como a grande vilã nas eleições

Procurador regional eleitoral destaca a falta de lei específica, mas garante que o MP está de olho

daniel.cardozo@jornaldebrasilia.com.br


Para o procurador regional eleitoral, Élton Ghersel, candidatos à reeleição sempre levam vantagem em relação aos demais. Por isso o trabalho do Ministério Público, segundo Ghersel, será de nivelar a disputa, impedindo que a máquina pública seja usada em favor dos chefes do poder Executivo. 

“As realizações do governo podem ajudar. Claro, que em alguns casos o feitiço pode ir contra o feiticeiro. Se a administração foi muito ruim, ele pode ter  ônus, mas geralmente não tem acontecido. A reeleição tem sido regra”, afirmou. 


O procurador também vê a internet como um meio de comunicação ainda sem regulamentação suficiente, o que acaba impedindo interpretações mais claras sobre propaganda eleitoral. O Ministério Público foi comunicado de 32 casos onde pode ter ocorrido irregularidade. Das seis denúncias, três são relacionadas à internet e foram recebidas pelo TRE-DF.
Até o momento, quais foram as irregularidade mais observadas pelo Ministério Público Eleitoral?

O que a gente tem recebido são algumas representações e algumas atuações do próprio Ministério Público sobre propagandas na internet, ou seja, links patrocinados no Facebook. 


Também fomos informados sobre a colocação de outdoors nas cidades. Agora, isso vai ser distribuído para os procuradores eleitorais que irão verificar se configuram propaganda ilícita.



O que tem acontecido, são potenciais candidatos aparecendo como links sugeridos nas redes sociais. É uma prática irregular?
Teoricamente, para que seja considerada uma propaganda eleitoral, ela deveria ter um anúncio da candidatura e um anúncio de votos, essa é a propaganda eleitoral expressa. 


O Tribunal Superior Eleitoral tem a jurisprudência caracterizando a propaganda implícita ou subliminar, que é aquela que não contém o anúncio e o pedido. Embora ele não se apresente como candidato, ele procura convencer o eleitor de que é o mais indicado para aquela função a que vai se candidatar. 


O que temos visto é isso, links patrocinados pela internet, às vezes em páginas onde o próprio candidato não é apresentado como gestor da página, mas sim gerenciado por grupos de amigos desse candidato. A propaganda é ilícita, seja ela feita pelo candidato ou feita por eleitores a favor dele, ou seja, não deixa de ser irregular. As consequências é que podem piorar um pouco.  


A legislação proíbe qualquer tipo de propaganda paga na internet. Então, como a gente sabe que esses links patrocinados, onde o interessado paga uma taxa para que seja feita essa difusão, a propaganda seria ilícita tanto por ser antecipada quanto por ser paga.

Como podem ser enquadradas as propagandas em placas nas ruas, divulgando programas de rádio e televisão de pré-candidatos?
Depende do contexto, da intensidade dessa divulgação e, eventualmente, de uma retrospectiva. Por exemplo, o candidato tem um programa de rádio e teoricamente não está proibido de anunciar o programa de rádio dele. 


Agora, eu costumo verificar se ele fez esses anúncios no ano passado e no ano retrasado, porque acontece dele anunciar o programa apenas com a proximidade das eleições. Mas aí aparece uma contrariedade expressa na letra da lei. É necessário que se argumente e convença a Justiça de que, na verdade, é uma propaganda que tem finalidade eleitoral.

E em inaugurações, onde se vê vários militantes do partido do governo, com bandeiras e faixas, existe irregularidade?
Nesse caso, houve uma representação contra o GDF e eu determinei a instauração de um procedimento. 


Em geral, uma inauguração vai contar com correligionários do partido. Até certo ponto, isso é um pouco normal, principalmente no PT, que tem uma identidade visual muito forte, com bandeiras vermelhas. Fica um pouco mais difícil essa caracterização.

A internet traz uma dificuldade a mais para o Ministério Público e a Justiça? Já existe preparo para lidar com ela? 

A internet ainda tem muito pouca regulamentação e poucas definições do que é permitido ou não. Existem basicamente duas decisões do TSE sobre isso. Uma diz que a propaganda é livre nas redes sociais fechadas, como o Twitter e o Facebook, em páginas que só são acessíveis a quem queira receber esse tipo de conteúdo. 

A outra é relacionada ao pré-candidato Eduardo Campos, monocrática, que diz que a propaganda deixa de ser lícita se a página é aberta, acessível a todos os usuários. 


 Temos trabalhado com esses dois paradigmas e ultimamente temos tido sucesso junto ao TRE-DF, que determinou a suspensão de três páginas. Mas essa propaganda só é ilícita até o dia 5 de julho. Só não pode queimar a largada.

Perfis que denigrem e relembram atos do passado de um candidato podem provocar representação do Ministério Público?

Eles são ilícitos se enquadrarem nas situações criminais, como injúria, difamação ou calúnia. Para que haja injúria tem que haver uma ofensa à honra da pessoa, um xingamento. Já calúnia e difamação seriam propagação de fatos inverídicos. Se o fato é verdadeiro, aí é livre a crítica. Os perfis podem divulgar os fatos desde que sejam verdadeiros.

Existem casos de placas de agradecimento sobre as quais o candidato nega participação e às vezes até acusa outros candidatos de terem feito isso para prejudicá-lo. 

Essa é uma alegação que costuma acontecer. Eu não acredito que nenhum candidato faria propaganda para o outro para prejudicar o adversário. Até porque o retorno da propaganda é maior que a sanção. Foi instituída uma comissão de fiscalização de propaganda no TRE, que vai exercer o poder de polícia com relação a essas propagandas. 


Recebendo uma comunicação, ela faz uma notificação ao candidato, que tem 24 horas para tirar essa publicidade, sem sofrer sanção. Se não obedecer e providenciar a retirada, aí fica caracterizado o conhecimento dele sobre a propaganda. Nesse caso, ele pode ser responsabilizado, mesmo que não exista um documento dizendo que ele mesmo que pôs a placa.

O senhor acha que ainda falta conhecimento, tanto dos candidatos, como da Justiça sobre a publicidade eleitoral na internet?
Exatamente. Os candidatos vão ter que desenvolver uma linguagem para lidar com esse público, é uma questão de comunicação social. 


Essa linguagem não vai ser a mesma da televisão e do rádio. A Justiça Eleitoral vai ter que ficar acompanhando porque é um meio de divulgação como qualquer outro. Não faz sentido ter tanta regulamentação para televisão, rádio e jornal e não ter nenhuma para a internet.

Muito se fala que o candidato que tenta a reeleição “tem a máquina do governo para ajudar na votação”. Como o Ministério Público pode minimizar essa vantagem?

Não existe uma igualdade total entre um candidato à reeleição do Executivo e os demais. O que acontece é que o candidato tem essa chance de tentar a reeleição e, evidentemente, está em uma posição mais favorável porque tem as realizações do governo. 


Claro que em alguns casos o feitiço pode ir contra o feiticeiro. Se a administração passada foi muito ruim, ele pode ter esse ônus,  mas geralmente não tem acontecido. 


A reeleição tem sido regra. É mais comum que o candidato consiga se reeleger do que não conseguir. O nosso esforço, do Ministério Público e da Justiça Eleitoral é atingir o máximo possível de igualdade, coibindo o uso da máquina e da propaganda institucional a favor do candidato. Então o governo pode fazer propaganda dele mesmo. 

Existe o limite que ele não pode gastar no ano da eleição mais do que gastou no ano anterior ou acima da média em relação aos três anos anteriores. 

Mas tem um detalhe, como a propaganda só pode ser feita no primeiro semestre, e o limite é anual, a densidade pode chegar ao dobro do ano anterior. O governo pode gastar o mesmo recurso na metade do tempo. 

Agora, a propaganda também precisa seguir a lei, não pode mostrar a imagem do candidato, entre outras restrições. O que podemos fazer é que seja observada a legislação.

Por esse motivo, o senhor acredita que a reeleição deveria acabar?
Não sei. Acho que essa é uma questão para cientista político, não para jurista. 


A gente cumpre a legislação. Eu costumo dizer de uma forma não muito técnica que depois da reeleição aprovada, o candidato se elege para um mandato de oito anos e a população pode limitar esse mandato em quatro anos. É como se fosse um mandato de oito anos.

O que tem sido comum na cidade são os adesivos de candidatos em carros, indicando páginas na internet. Isso caracteriza propaganda antecipada?

Existem colegas em outros estados que chegaram a fazer uma campanha para alertar os motoristas de que eles estão cometendo uma infração, porque nesse caso a infração é culpa de que veicula propaganda. 

Normalmente, presume-se que o candidato tenha participação ali. Mas quando é no carro, não. Obviamente foi você que colocou. O dono do carro pode ser multado em até R$ 5 mil.

Quando vamos ter uma regulamentação adequada para a campanha na internet?

É algo progressivo. A cada eleição teremos uma coisa melhor. Assim como a regulamentação do rádio e da TV muda de um ano para outro, essas coisas vão evoluindo e se adaptando de acordo com as realidades sociais. Depende da experiência em cada eleição. 


A gente sabe que quem elabora essa regulamentação são os candidatos e eles não querem ser punidos. A legislação sempre aperta de um lado, mas afrouxa de outro. Mas a lei vai acompanhando essa evolução.


A Lei da Ficha Limpa está amadurecida o suficiente para a aplicação em impugnação de candidaturas?


Nós estamos nos preparando para isso. O Ministério Público Eleitoral desenvolveu uma base de dados que pretende ser um cadastro de todas as decisões capazes de gerar inelegibilidade nos termos da Lei da Ficha Limpa. 


Até a última consulta, tínhamos 30 mil decisões. Nem todas geram de fato inelegibilidade, mas seriam potenciais indicativos de inelegibilidade. 


É um sistema que vai nos permitir com certa agilidade consultar o nome dos candidatos e saber se alguém apresenta alguma restrição. Aí podemos inclusive pedir a impugnação da candidatura. 

É uma base de dados aberta que diversos órgãos que proferem decisões capazes de gerar inelegibilidade são solicitados a alimentar para que possamos cumprir o prazo de cinco dias que temos para pedir a impugnação das candidaturas. 

É muito importante que esses órgãos atendam esse pedido. Nós sabemos que é um trabalho muito difícil, porque poucos lugares têm as decisões catalogadas, até porque são decisões desde 2006 que podem deixar um candidato inelegível. Estamos contando com a colaboração de todos.

Fonte: Da redação do Jornal de Brasília

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