Copa do Mundo, em vez de criar otimismo no futuro, está mostrando que o ciclo do passado acabou. É preciso mudar o país.
Um colapso nas expectativas. O
país sede da Copa do Mundo está deprimido. A onda de pessimismo chegou a seu
ponto mais alto no mês de maio desde a crise de 2008, de acordo com as
sondagens conduzidas pela Fundação Getulio Vargas (FGV). Não sobrou ninguém, da
indústria, que já vinha em crise, aos serviços — o salvador da pátria que
responde por quase 70% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e
serviços produzidos no país). Do comércio, vendendo a prazo os sonhos de
consumo expostos nos anúncios, ao consumidor, endividado e com a inflação corroendo
o salário:
— Pela primeira vez desde 2009
(ano em que o Brasil entrou em recessão afetado pela maior crise global desde
1929), mais gente afirmou que será mais difícil de conseguir emprego nos
próximos seis meses — disse Aloisio Campelo, coordenador das sondagens
conjunturais da FGV.
Um país bipolar: é esse o
diagnóstico do psicanalista Alberto Goldin para o Brasil. E as expectativas
funcionam com uma “profecia que se autorrealiza”: — O Brasil passou da euforia à
depressão. Cada centímetro valia ouro, agora cada centímetro não vale nada. É
como se a felicidade não fosse para a gente.
Essa falta de esperança com o
futuro começou entre os empresários com o baixo crescimento por um longo
período. Desde 2011, o Brasil oscila entre taxas de crescimento de 2,7%, 1%,
2,5% e agora deve avançar pouco acima de 1%. Essa sequência minou toda a
confiança acumulada desde 2009. Mesmo fechando o ano no vermelho, a recessão
naquele ano se limitou ao primeiro semestre.
DA EUFORIA AO NEGATIVISMO
EXAGERADO
O Brasil foi escolhido para
sediar os Jogos Olímpicos de 2016, e a “The Economist” mostrava o Cristo
Redentor decolando, uma imagem do país em plena expansão. Em 2010, o país
cresceu 7,5%, a maior taxa desde 1986, ano do Plano Cruzado, e naquele ano o
otimismo tomou conta do Brasil com a esperança, vã, de que a inflação havia
sido vencida.
— De alguma maneira deveríamos
estar orgulhosos de sediar a Copa do Mundo, as Olimpíadas, das nossas belezas
naturais. Mas não, a bateria acabou — analisou Goldin. No seu consultório, as queixas
são sobre trânsito e violência urbana. E na Barreira do Vasco, comunidade de
São Cristóvão, na Zona Norte do Rio, a realidade bate à porta quando se
consegue comprar o tênis de marca a prazo, mas passa-se a madrugada na UPA à
espera de atendimento:
— O consumidor conquistou bens
materiais, com muito planejamento, com muito esforço, mas não tem o básico. Tem
a TV de LCD, mas não consegue transporte de qualidade. A toda hora, a realidade
joga na cara que não é para ter esse otimismo todo — afirma Hilaine Yaccoub,
antropóloga de consumo e professora da ESPM.
Lá fora, o pessimismo com o
Brasil também aflora, de maneira desmesurada, na opinião de Carlos Primo Braga,
ex-diretor do Banco Mundial e professor do IMD (uma das melhores escolas de gestão
da Europa:— A euforia não tinha muito
contato com a realidade, mas também há um exagero agora, o país não está em
colapso.
Para ele, o modelo ancorado no
consumo dos últimos dez anos ficou para trás e “por ironia a população que saiu
da pobreza e ascendeu à classe média” acabou realimentando essas expectativas
negativas: — É um modelo esgotado, se
continuar nele o crescimento se limitará a 2%. Essa realidade mais e mais
impacta o dia a dia das pessoas. É preciso um choque de expectativa, com mais
ênfase no investimento, com o governo segurando gastos, criando um ambiente
regulatório com ênfase no setor privado e integração com o resto do mundo.
EXPECTATIVAS COMEÇARAM A SE
DETERIORAR EM 2011
E as expectativas continuam
caindo. Após o IBGE informar, na última sexta-feira que o Brasil parou no
primeiro trimestre, com o PIB subindo apenas 0,2%, o mercado reduziu forte a
expectativa para o crescimento deste ano. Segundo o Boletim Focus, divulgado na
segunda-feira pelo Banco Central, as projeções foram reduzidas de 1,63% para
1,5%. É a pior projeção para o resultado deste ano desde que a pesquisa começou
a prever o desempenho para 2014.
O economista Armando Castelar,
coordenador de Economia Aplicada do Ibre/FGV, observa que as expectativas do
mercado a respeito da economia brasileira começaram a se deteriorar no fim de
2011. O economista vê necessidade de ajustes de curto e médio prazos, que
passam pela alta do desemprego, juros mais altos, liberação de preços
represados (gasolina, luz, ônibus urbanos) e diminuição do déficit com o resto
do mundo. — Não é um ajuste indolor —
afirma.
Campelo, da FGV, diz que que há
mais preocupações afetando a confiança no país: manifestações e greves. — Não é um bom momento para mais
um choque negativo — diz Campelo. E, pela história da sondagem,
podemos esperar PIB menor no segundo trimestre ou, no mais tardar, no próximo. (O Globo)
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