Que coisa!
Numa cidade de 12 milhões de habitantes, o dito Movimento dos
Trabalhadores Sem Teto, o MTST, espalha uns quatro mil em várias
manifestações. Nesta quinta, até agora, a manifestação maior ocorreu nas
imediações do Itaquerão. O chefão da turma é um sujeito chamado
Guilherme Boulos. Atenção para o currículo do rapaz: é professor,
formado em filosofia, com especialização em psicanálise. Vem de uma
família de classe média alta. Na verdade, rica mesmo. Mas ele decidiu
abraçar a causa dos sem-teto. Até aí, problema dele.
Isso, a
muitos, parece irresistível. Remete a uma espécie de renúncia religiosa.
É o João Pedro Stédile das cidades, para lembrar o chefão do MST, o
Movimento dos Sem-Terra. Trata-se de um economista que está a muitas
léguas da formação intelectual do povo que ele mobiliza.
Desde
Lênin e Trotsky, dois dos líderes da revolução russa, que vinham de
famílias ricas — o pai do primeiro era um burocrata do czar; o do
segundo, um rico latifundiário —, esses extremistas oriundos da elite
econômica assumem certa aura de santidade, de intocabilidade, como se
tudo lhes fosse permitido. Afinal, pensam alguns, se eles renunciaram
aos bens materiais, então não estão pensando em si mesmos e só no bem do
próximo.
Acontece,
leitores, que as pessoas podem ser boazinhas e equivocadas. São
Francisco de Assis não foi um grande sujeito porque renunciou aos bens
materiais, mas porque levou a bondade, a generosidade e a concórdia por
onde quer que tenha passado. O fato de alguém decidir viver uma vida
humilde não coloca ninguém acima do bem e do mal. Pode-se fazer essa
escolha por uma ambição ainda maior do que a de bens materiais: a
ambição de reformar o mundo nem que seja na marra, sem atentar para os
prejuízos de terceiros.
Não consta
que Robespierre, o maior assassino da Revolução Francesa, quisesse algo
para si, pessoalmente. Ao contrário até: era inteiramente dedicado à
sua causa. E, cegado por ela, respondeu pela morte de milhares, até que a
sua cabeça foi cortada pelo sistema que ele mesmo inventou. Stálin não
queria ser rico. Queria o poder.
Nesta
quinta, Boulos deu um ultimato aos poderes públicos. Segundo disse, eles
têm 28 dias para regularizar todas as invasões de sem-teto da cidade,
ou ele promete transformar São Paulo num inferno, com a sua minoria de
extremistas. Sim, “todas as invasões”, ele disse, inclusive a chamada
“Copa do Povo”, nas imediações do Itaquerão. “Os governos federal,
estadual e a prefeitura que se entendam para resolver a situação e
desapropriar o terreno”, afirmou Boulos, dando de ombros para a
democracia. Ele é o dono da verdade, o dono da causa, o dono da bola.
Natália
Szermeta, parceira do doutor no movimento, resolveu fazer literatura
ruim: “O MTST colocou em campo a seleção dos brasileiros oprimidos, dos
que não se contentam com migalhas. A seleção dos opressores pode até
entrar em cena, mas não vão dormir uma noite sem que a gente incomode o
sono deles”.
A
democracia é o regime da maioria e que tem, como um de seus pilares, a
tolerância com as minorias. Em nenhum lugar está escrito que essas
minorias tiranizam e dão ultimatos às maiorias. A razão é simples: onde
quer que isso aconteça, o que se tem é tirania. O senhor Guilherme
Boulos é um contumaz violador da lei e só não está na cadeia, se querem
saber, porque é um extremista oriundo das elites, que virou herói também
de setores da imprensa, apesar de suas práticas truculentas.
Ele é
psicanalista? Está na hora de esse rapaz ir para o divã saber por que
ele acredita tão pouco na negociação e só escolhe o caminho do
confronto. Freud certamente explica.
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