quinta-feira, 15 de maio de 2014

Isso é que é Justiça



Jânio de Freitas
Folha


Um componente comum a todas as manifestações públicas e reações a ocorrências violentas é o protesto contra impunidade. Assim genericamente mesmo, por uma razão simples e forte: a consciência coletiva de que a impunidade cobre todos os níveis e formas de poder sobrepõe-se a necessidade de especificações. Valem mais a garganta, o braço e fogo, juntos e separados.


Apesar de outros serem os alvos dos protestos, é no Judiciário que se consuma a impunidade. Atribui-la aos recursos de defesa, aos inquéritos policiais malfeitos, às insuficiências do Ministério Público e à quantidade de processos são verdades que nem por isso são justificativas.

Há incontáveis comprovações da diferenças de produção entre juízes e entre os tribunais; de comodismos e de incompetência que se curvam a procedimentos protelatórios, de magistrados, eles próprios, que retêm processos por anos intermináveis, inclusive no STF, frequentemente com um simples “pedido de vistas” cuja intenção não precisaria adivinhar. O Supremo é mesmo um museu de processos que esperam julgamento.


IMPUNIDADE

A impunidade gritada nas ruas tem duas fontes: os fatos objetivos para motivá-la e Judiciário para completá-la. Diante do clamor público, porém, esse Judiciário é um corpo inerte, sem iniciativa, sem nervos, sem sensibilidade. Até hoje, dispensa-se de reconhecer e de atirar-se ao problema, com muito o que pode fazer. Os governos recebem todos os petardos, e os aceitam como se fossem os únicos causadores do clamor público contra a impunidade.

É a tal Judiciário que desejo saudar, diante dele me curvo em reconhecimento a um feito grandioso: o Judiciário condenou, no Pará, o principal acusado de um crime de morte. Não, de mortes. Cinco. O principal acusado chegou a estar preso, mas o STJ o soltou-o para esperar o julgamento em liberdade. Por acaso, ele fugiu, como gosta de São Paulo, e seu nome naquela altura não lhe convinha, viveu muito bem entre os paulistas e com outro nome.

TORTURAS E ASSASSINATOS

O crime? Bem foi o sequestro de quatro agricultores assassinados a tiros depois de dois dias de torturas terríveis, cujos corpos foram amarrados juntos, com pedras como lastro, e jogados em um rio.

Assim quis fazer o fazendeiro Marlon Alves Pidde, assim foi feito. O ano? Esses pormenores não importam muito, mas vá lá: foi em 1985. Aquele em que a ditadura ruía, e começava a retomada da democracia. Desde então um dos coautores, embora já condenado, já se livrou da prisão, por seus 70 anos. O fazendeiro Marlon chega lá também.

Na Comissão Interamericana de Direitos Humanos há um processo contra o Brasil, considerando o que se passou no Judiciário a propósito do crime. Talvez alguém, ache por lá, que 29 anos sem julgamento equivalem a impunidade. É que lá fora costumam ter má vontade contra o Brasil. Mas, podemos ter orgulho, um Judiciário que leva 29 anos para julgar um crime monstruoso não é para qualquer país.


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