quinta-feira, 12 de junho de 2014

Só queremos o “hexa”, não o “pão & circo”






É hoje o dia. Ainda há resistência, tanto da esquerda como da direita, ambas por rejeitarem o uso político que o governo do PT pretende fazer da Copa. Não me incluo em nenhum dos dois extremos. Fico com aqueles que pretendem torcer pela seleção, mas repudiam qualquer mistura entre futebol e política. Acredito se tratar da maioria silenciosa, que deve sair do silêncio durante o jogo, principalmente se o Brasil marcar um gol.

Em sua coluna de hoje no GLOBO, Carlos Alberto Sardenberg vai direto ao ponto: queremos o “hexa”, mas não queremos politicagem. O colunista cita a empolgação inicial das autoridades com o evento, sonhando em tirar proveito político dele, algo que não será mais possível:


E ficamos assim: a celebração em campo é muito provável; é possível até que que a gente ganhe uma final da Argentina, suprema felicidade; mas o projeto de celebração política do governo Dilma/Lula foi perdido.

A presidente está na defensiva diante das críticas que surgem aqui e lá fora ao processo de organização. Está tão na defensiva que precisou apelar para um patriotismo sem sentido. Críticas são consideradas ataques ao Brasil. E a esses “inimigos” Dilma atribui o desejo de ver catástrofes.

[...]
Também é sintomática a reação da militância Dilma/Lula. Se é óbvio que muita coisa não ficou pronta, o pessoal responde: E daí? O importante é que vai ter jogo. Diante do fato de que já ocorre espera longa em aeroportos, o pessoal responde: também há demora nos desembarques em Miami…

Quer dizer, se é tudo meia-boca, estão reclamando de quê, seus…?

Mas dá para entender a bronca de Dilma e de Lula. Tanto esforço e, na hora, nem podem fazer uma bela celebração nos estádios?

Tudo considerado, não vamos cair no extremo oposto. Tem muita coisa que não saiu bem, mas queremos mesmo é ganhar a Copa. Melhor ainda: com um golaço de Messi, superado por dois espetaculares de Neymar, que tal?


Sardenberg gosta de fortes emoções. Mas concordo com sua análise: a reação do PT demonstra que o tiro saiu pela culatra. Um governo que sequer poderá dar as caras no estádio hoje, discursar, é um governo acuado, com medo. Isso é muito bom. Isso é prova de que há algum amadurecimento e que o povo quer torcer, mas não quer aturar políticos oportunistas tentando lucrar com isso.

Merval Pereira é da mesma opinião, e usou sua coluna de hoje para deixar clara a separação entre futebol e política:


Fora os vândalos, que se perderam na ameaça de “não vai ter Copa”, e os aproveitadores sindicais, que se utilizam do momento para chamarem a atenção para suas reivindicações sem pensar no coletivo, não há quem não saiba separar os jogos das jogadas políticas como a da presidente Dilma – que utilizou um instrumento de comunicação do Estado para defender seu governo das críticas, como se a maioria que vê abusos e desarranjos na organização da Copa possa ser classificada apenas de “pessimistas”.

A tentativa de “transformar em motivo de orgulho nacional obras inacabadas, gastos superfaturados e a absoluta falta de capacidade de gestão deste governo”, como disse em nota oficial o PSDB, deve ter se transformado em um tiro no próprio pé, pois é difícil acreditar que a “bronca” da presidente nos “pessimistas” os faça mudar de opinião.

Da mesma maneira que Joseph Blatter tentou calar as vaias no estádio de Brasília na Copa das Confederações dando uma lição de educação aos torcedores, a presidente na noite de terça-feira tentou convencer a população de que não há motivos para desencantos.

Não entenderam até agora que, em vez do folclórico e dócil povo brasileiro que se encantaria com a magia da Copa do Mundo, há uma sociedade inquieta em busca de um futuro que não se resuma a pão e circo.

Claro que ainda há o risco de, embriagados pela eventual vitória da seleção, muitos brasileiros misturarem as coisas depois. É com base nesse receio que muita gente boa não quer torcer. Compreensível. Mas como já disse antes, não compro a tese. Acho que se o PT tentar tirar casquinha disso, haverá muita revolta.


É a opinião também de Ronaldo Helal, em artigo publicado no mesmo jornal. Mencionando as manifestações de junho, que demonstraram a insatisfação popular com a política, ele argumenta que algo ali mudou:



Além disso, elas geraram também alguns questionamentos sobre a relação do brasileiro com a seleção e a política. Um deles dava a entender que quem gosta de futebol e torce pela seleção seria um alienado político, um sujeito contra as manifestações. 

Ora, este é um raciocínio frágil, simplista e maniqueísta, que não se sustenta após uma análise mais criteriosa. Uma coisa não exclui a outra. Pode-se gostar de futebol e também da seleção e ainda assim protestar democraticamente contra a corrupção, o excesso de gastos públicos com a organização da Copa e coisas do gênero.

No entanto, este raciocínio parece ter inibido uma maioria que não se percebe como tal e, portanto, se sente envergonhada de externar seu interesse pela seleção e pela Copa no país. O sujeito quer dar um basta na corrupção, critica os excessos de gastos para a construção de estádios, reclama da situação da saúde e da educação pública no país, mas ao mesmo tempo quer torcer pela seleção e colocar a bandeira do Brasil na janela. Não o faz porque receia a crítica do vizinho.

No momento em que a maioria silenciosa se perceber como maioria, o entusiasmo deve voltar. Apesar de que não será mais com o ufanismo de antigamente. Neste sentido, o Brasil mudou, e para melhor. Os quase 30 anos de regime democrático proporcionaram certo amadurecimento político da população. A seleção ainda pode ser vista como a pátria de chuteiras em períodos de Copa do Mundo, mas o sentido simbólico deste epíteto não tem mais a força que tinha no passado.

Espero que sim, e estou disposto a pagar para ver, pois, como já expliquei, se não pudermos mais torcer pela nossa seleção por causa do PT, então o PT já venceu definitivamente e derrotou o Brasil. Vamos apostar nesse amadurecimento. Queremos o “hexa”, com gols de Neymar. 

Mas não aceitamos mais o “pão & circo”.

Rodrigo Constantino

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